Primeiro, a declaração de interesses: fui e sou crítico em relação a algumas medidas da proposta de Orçamento de Estado para 2012, tal como aqui o expus em "Orçamento do descontentamento", em "A propósito do Orçamento... mais desilusão" ou em "A ler os outros... Pedro Guerreiro".
Acho que falta apostar em medidas alternativas e menos penosas para os mesmos contribuintes de sempre. Mas, de facto, são opções. E como dizia o primeiro-ministro no debate de sexta-feira, o "as medidas são minhas, mas o défice não é meu".
O que é perfeitamente incompreensível é a posição do Presidente da República ao criticar a proposta do Orçamento de Estado para 2012, de forma inesperada, veemente, fora do relacionamento institucional que se impunha, em plena discussão parlamentar, e numa altura de alguma (muita) sensibilidade social, transmitindo uma péssima imagem para o exterior.
Cavaco Silva considerou, publicamente, que a suspensão dos 13º e 14º meses de salários (subsídio de férias e de natal) da administração pública e dos pensionistas viola um princípio básico de equidade fiscal (mesmo que tal seja questionável) e questionou a inexistência de um limite para os sacrifícios.
E a infelicidade de tais declarações expressa-se nos seus sete pecados mortais:
Primeiro, Cavaco Silva não é neste momento exemplo para o país. Basta reparar nos elevadíssimos custos e despesismo na manutenção da casa Civil e Militar da Presidência da República (ou, outro exemplo, a questionável recente viagem aos Açores e todo os encargos com tais deambulações presidenciais). A propósito da região autónoma, foi deveras preocupante e significativo o silêncio presidencial sobre as contas públicas da Madeira. Coerências, portanto...
Segundo, Cavaco Silva tem todas as condições para estabelecer canais preferenciais e eficazes com o Governo. Deveria ser a via institucional a preferencial.
Terceiro, tal como afirma, Cavaco Silva, apesar da mudança governativa, diz que não mudou de opinião. Mas é curioso que, se no passado a tinha, não a utilizou da mesma forma, no que se refere aos anteriores orçamentos. E não se trata de um documento ou medida política governativa qualquer. É tão só o principal instrumento governativo.
Quarto, com as declarações de hoje, Cavaco Silva condicionou, directa e intencionalmente, toda a discussão em torno do orçamento, bem como a sua votação.
Quinto, num momento sensível de contestação social, Cavaco Silva em vez de ser, por inerência do cargo, um pólo agregador, tornou-se, hoje, num foco destabilizador.
Sexto, se Cavaco Silva não mudou de opinião quanto à questão da equidade fiscal e dos sacrifícios, já no que respeita ao cuidado com a imagem externa, face à "sensibilidade" dos mercados financeiros, tudo parece ser, agora, diferente.
Sétimo, com esta posição, aprovado o Orçamento de estado para 2012 nos moldes em que a proposta o apresenta, Cavaco Silva tem um grave problema político de consciência para resolver (se é que isso lhe faz alguma diferença): só tem um caminho de Coerência Política que é vetar o Orçamento 2012.
Para quem afirmava que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava... Enfim!!!
Claramente... a birrinha de criancice escolar: fizeste-mas, vais pagá-las. Cavaco, quando Primeiro-ministro, nunca perdoou Passos Coelho enquanto presidente da JSD.
Nota final: é curioso ver como a política tem uma memória extremamente curta. Num passado muito, mas mesmo muito, recente o Partido Socialista dizia "cobras e lagartos", vociferava a plenos pulmões, "caía o Carmo e a Trindade", sempre que o Presidente da República vinha a terreno expressar a sua opinião. agora é ver os socialistas a fazerem a festa, baterem palmas, deitarem os foguetes e ainda apanharem as canas, com estas declarações presidenciais. É triste e vergonhosa a política!
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