Publicado na edição de hoje, 16.10.2011, do Diário de Aveiro
Entre a Proa e a Ré
Orçamento do descontentamento…
Entre a Proa e a Ré
Orçamento do descontentamento…
Pode não ser indignação, mas é, com certeza um sabor a decepção e desilusão.
Na passada quinta-feira, o Primeiro-ministro apresentou, publicamente, as linhas principais da proposta de Orçamento do Estado para o ano de 2012.
A bem da verdade, sejamos honestos. Portugal vive momentos muito complicados, gravíssimos do ponto de vista da sustentabilidade e da sobrevivência social e económica, face aos erros, exageros, à irresponsabilidade dos últimos anos. Isso é um facto. Outro, tem a ver com a contingência e a obrigatoriedade de novo rigor e consolidação orçamental, do cumprimento das metas impostas e do memorando da ajuda externa.
Chegou, pois, a hora da verdade, do rigor, do sentido de responsabilidade e da transparência da acção governativa. E era isto que se esperava da actuação do Governo de Passos Coelho. Foi por isto que uma grande parte dos portugueses, no dia 5 de Junho de 2011, penalizou a acção de seis anos do governo de José Sócrates. Pelo cansaço da ilusão, da falta de transparência, do irrealismo, da manipulação da realidade factual. E muitos fizeram a sua opção face a uma proposta e a um projecto diferenciado e carregado de esperança para Portugal. Mudança dos paradigmas da gestão governativa, maior justiça e responsabilidade social, menos Estado e melhor Estado, maior credibilidade política. À mensagem de que era possível salvar o país sem que os portugueses fossem mais penalizados, sem aumento de impostos, sem penalização para as empresas, de uma gestão rigorosa, verdadeira e transparente, um elevado número de portugueses responderam, com o voto, positivamente.
Passados quatro meses a questão que importa colocar é se os portugueses que votaram neste governo mantêm a sua confiança.
Face à realidade que se conhecia e acrescida do desvio “colossal” de cerca de três mil milhões de euros posteriormente apurado, os portugueses foram aceitando as primeiras medidas de austeridade sempre com a perspectiva que o governo, mais cedo ou mais tarde, as complementasse com políticas de desenvolvimento económico e na redução das “gorduras” do Estado (as verdadeiras, mesmo que fosse o papel higiénico, os lápis e as borrachas, a energia, as comunicações, os privilégios governativos e parlamentares, das chefias e dos gestores públicos pagos principescamente para “afundarem” as empresas públicas que gerem, a diminuição do tecido empresarial do Estado, a reforma administrativa local, os investimentos megalómanos e insustentáveis, entre muitos outros). Mas de forma concreta e prática, e não num conjunto de intenções que, teimosamente, demoram demasiado tempo a serem concretizadas.
É que mês após mês, promessa de calendário atrás de calendário, sempre que o ministro das Finanças se preparava para sossegar e transmitir um sinal de confiança e de esperança aos portugueses, surgia mais um conjunto de medidas de austeridade sempre do lado da receita e com o sacrifício exigido aos cidadãos (aos mesmos de sempre). Uma atitude que se assemelhava perigosamente da crítica e condenação do PREC atrás de PREC da era socialista.
A esperança estava reservada para o anúncio do Orçamento do Estado para 2012. Esperança rapidamente transformada em desilusão e frustração poucos minutos após Pedro Passos Coelho iniciar o seu discurso.
As principais medidas eram mais do mesmo, agora em formato agravado e mais penalizadoras. Mas pior ainda, sempre do lado do sacrifício dos cidadãos (desta vez de forma não “universal”; com penalização acrescida para os funcionários públicos). Entre as medidas, podem-se destacar, pela sua relevância: a eliminação, em 2012 e 2013 dos subsídios de Férias e de Natal para os funcionários públicos (e similares) que aufiram vencimentos mensais superiores a mil euros, bem como a todos (público ou privados) os reformados; redução em 50% do valor a pagar pelas horas extraordinárias; alteração considerável nos bens taxados em sede de IVA, como por exemplo a restauração, mesmo que mantendo um conjunto de bens essenciais; permissão para o alargamento do horário laboral em meia-hora diária, sendo esta uma medida de extrema controvérsia e de resultados duvidosos; eliminação dos benefícios fiscais sobre a saúde, educação e habitação, em sede de IRS, para os dois escalões mais elevados e diminuição dos limites nos outros escalões; agravamento da taxa de IMI; diminuição da prestação social do subsídio de desemprego.
Acrescem a estes as medidas que os portugueses esperavam ver explicadas e concretamente anunciadas e que, mais uma vez, ficaram-se por um conjunto de intenções sem nada específico ou concreto: cortes “muito substanciais”na Saúde e na Educação (quais, quanto e como?); “profunda reestruturação” do sector empresarial do Estado (quais, quando e como?); a reforma da administração local, ainda em fase de estudo e análise. Em relação às obras públicas, aos investimentos públicos, muito pouco, ou quase nada, se sabe.
Se a aplicação de medidas (a tal relação: um terço da receita face a dois terços da despesa) é inevitável e expectável, o que restam imensas dúvidas e frustrações é na tipologia das medidas aplicadas e no incumprimento das promessas feitas em campanha e no início da governação, principalmente no que diz respeito à tão badalada “gordura” do Estado que se confina apenas aos salários e às reformas, ou seja, sempre penalizando os cidadãos e as famílias, sem capacidade de apresentação de medidas corajosas ao nível da gestão pública.
De fora de todo este processo fica a necessidade de potenciar e alavancar uma economia débil que urge complementar às políticas de austeridade, sob pena de o país perder toda a sua futura sustentabilidade.
Tomando as palavras do Primeiro-ministro no debate na Assembleia da República, da passada sexta-feira, é certo que, embora o défice não seja da sua responsabilidade, são, como afirmou, da sua autoria as medidas aplicadas. E são estas que estão em causa e em julgamento pela comunidade.
E não colhe, junto de muitos portugueses, o argumento de que Pedro Passos Coelho não imaginaria encontrar um país neste Estado. Foi dentro desta realidade que se candidatou, que se apresentou aos portugueses como alternativa capaz de superar as dificuldades, tendo inclusive participado na elaboração do memorando com a Troika. E para isso teve ainda cerca de ano e meio para criar uma equipa capaz e preparar um conjunto de políticas e medidas eficazes. Não se sentia capaz, não avançava.
Podendo recuar um pouco mais no tempo, poderia ter ainda deixado o lugar a uma preferência, também significativa, no interior do PSD: Paulo Rangel. Há quem não esqueça…
Assim como há muitos portugueses que, não se sentindo indignados, no mínimo sentem-se desiludidos e decepcionados.
Uma boa semana… se ainda for possível.
Uma boa semana… se ainda for possível.
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