“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

31 maio 2007

Então e os outros...

Publicado na edição de hoje (31.05.07) do Diário de Aveiro.

Post-its e Retratos
E os outros...


Amanhã celebra-se mais um dia Internacional da Criança.
Nestas coisas das celebrações pontuais e efémeras fica sempre a sensação do vazio estrutural e estratégico que questões importantes e essenciais deveriam merecer outra atenção e envolvimento.
Por outro lado, é relevante referir que falha igualmente, nesta alturas, um mediatismo necessário à projecção da temática, a que não pode ser alheia a responsabilidade do papel da comunicação social.
Há 28 dias desapareceu, numa pacata localidade algarvia, uma criança inglesa (Madeleine McCann) de apenas 4 anos de idade, sem que até hoje se tivessem encontrado responsáveis ou devolvido a criança ao seio familiar.
Independentemente de podermos questionar a negligência dos seus pais, pelo facto de a terem deixado sozinha enquanto foram jantar, o que não podemos deixar de referir é o triste “circo” montado em volta do caso.
É inquestionável que qualquer vida humana que se encontre em perigo ou que desapareça, principalmente a mais indefesa (como uma criança de 4 anos), merece todo o nosso respeito, bem como todo o esforço possível para a resolução da sua situação.
Mas então o que poderá ser colocado em causa neste caso, que, infelizmente, começa a ser banal nos dias de hoje?
Primeiro, o facilitismo dos seus pais e a inconsciência de se deixar uma criança de 4 anos abandonada em casa.
Segundo, a mediatização do caso pela comunicação social que não soube ter, em nenhum momento, uma racionalidade que se exigia, nem um respeito por um número de crianças portuguesas que há mais de 16 anos continuam desaparecidas, para desespero das suas famílias.
No caso concreto da comunicação social portuguesa é lamentável que a paixão e o sentimentalismo tenha ultrapassado o rigor jornalístico lógico, numa tentativa de gerar audiência e da concorrência com a imprensa estrangeira. Lamentavelmente, a imprensa lusa nem sequer se preocupou em defender uma honra nacional ou, eticamente, a verdade dos factos quando foi, estupidamente, colocado em causa, pela imprensa britânica, o trabalho da Polícia Judiciária. Como se o reino de Sua Majestade fosse exemplo em situações idênticas.
Se o caso se passasse num outro local qualquer de Portugal que não o Algarve, se a criança fosse de outra nacionalidade (portuguesa, africana, de um país do leste) ou se os seus pais fossem de condição simples, humilde e sem recursos, qual seria o mediatismo e a cobertura jornalística? Já para não referir os recursos que seriam colocados para a resolução da situação.
Se o Algarve não fosse turisticamente dependente da comunidade britânica residente e visitante, a pequena Madeleine teria a mesma projecção? Se o desaparecimento da criança tivesse ocorrido em território inglês, a comunicação social britânica (e a portuguesa) teria tido o mesmo espírito sensacionalista?
Que o digam as famílias e a memória dos casos do Jorge Sepúlveda (1991) - Cláudia Sousa - José Teles (1998) - Rui Pedro (1998) - Rui Pereira (1999) - Sofia Oliveira (2004) - Ana Santos.
Onde esteve a comunicação social, o empenho das entidades públicas, o apoio da comunidade local, regional ou nacional? Restam às famílias destas crianças a esperança e a memória, frias e cruas.
Depois, é racional e óbvio que qualquer pai e mãe encontrem todas as formas e recursos que possuam e tenham disponíveis para reaver os seus filhos. É também compreensível que a comunidade se envolva emotivamente em casos desta natureza, principalmente com crianças tão pequenas. É pois, natural, todas as movimentações e manifestações que se desenvolveram.
Mas já não me parece tão racional e lógico que a atitude não seja idêntica (pelo menos) para com todas as outras crianças e os outros casos portugueses. Quantas reacções opostas foram demonstradas em outros casos que ocorreram em Portugal, ao ponto de os primeiros juízos a serem formulados serem no sentido de se criticarem os pais, de os julgarem na praça pública, de se afirmar que “o mais certo era terem vendido a criança” ou expressões semelhantes, como muitas que foram ouvidas, por exemplo, aquando do desaparecimento do bebé do Hospital de Penafiel. Ah pois! Os pais em causa não eram médicos, eram portugueses e muito pobres, claro…
Por outro lado, como católico, apraz-me verificar a preocupação que a comunidade cristã (local e nacional) colocou no caso da Madeleine.
Irrita-me profundamente, como crente, que, em relação às crianças portuguesas que mencionei e que, ao fim de 16 anos, continuam desaparecidas, não se tenham acendido as mesmas velas e efectuado as mesmas vigílias ou orações. É que como católico ainda acredito que também delas é o “Reino dos Céus”.
E já agora, como português, devolvam o Algarve a Portugal.

6 comentários:

Anónimo disse...

Até que enfim!! ainda bem que cá veio. Pois a hipocresia está instalada. Ou dá dinheiro ou então que se lixem.

João Branco disse...

Viva Miguel... Julguei que tinhas desaparecido.

Arauto da Ria disse...

Olá Miguel!
Ausência justificada.
Espero que no futuro volte a ser o que era, sabe já estava com saúdades do outro lado visto por si.
Um abraço.
PS.Eu tambem estou retirado, mas gosto de continuar a ser vsita de algumas casas,

Susana Barbosa disse...

Seja bem-vindo Miguel!

Terra e Sal disse...

Boas vindas meu Caríssimo Migas:

Cheguei a pensar que o meu Amigo tinha desertado, mas raio, isso não poderia ser, não estamos, por enquanto, em nenhum Iraque nem outro país similar, embora a coisa não ande famosa.
Ainda bem que venceu ou está a vencer as dificuldades que só a si lhe dizem respeito.
Fazia falta cá no “burgo”. Isto anda tudo muito mole. Tirando um ou outro “provocador militante” pois isso haverá sempre até à eternidade, a blogosfera aveirense vai rolando sem solavancos, e na paz do Senhor.

Sobre o seu Post:
É difícil pegar no que disse e acrescentar ou criticar o que escreveu. Foi abrangente no seu raciocínio. Sei que, com boa fé, foi também “contundente”. Concordo genericamente com o que disse.
Quanto ao mediatismo, qualquer pessoa atenta, sabe da massa que é feito o ser humano.
Deixe-me explanar um breve pensamento:

Salvaguardando raras excepções, as coisas com tudo, que seja miseravelmente trágico, seja o que for, funciona sempre assim. Está-nos na massa do sangue.
Tirando os que directamente estão envolvidos, a grande maioria, sem desejarem, mas porque a sua composição química exige, fazem jus aos seus sentimentos “subterrâneos”.
É que, esses, parecem esperar sempre, um desenlace horrendo. É da essência humana.

Para isso, temos necessidade de arranjar um culpado ou indiciado, seja quem for, tenhamos muitas ou poucas provas, ou até mesmo, nenhumas.
À própria polícia é “exigido” que arranje qualquer coisa para nos “sossegar”, e eles, muitas vezes, até se calhar, vão arranjando.

“Agrada-nos” participar numa história de horror para contar, e se possível acrescentar um pormenor ou outro, em que não mentimos, já que, foi o nosso subconsciente atento que “viu” e sentiu.

Depois, nas tragédias, todos desejamos um fim feliz, mas se ele não existir, queremos mesmo assim, assistir ao desenlace macabro, e desperta-nos e aguça-nos o “apetite” vermos as reacções e as fisionomias, das vítimas da desgraça cometida.
Enfim, somos “pobres.”
E, pobres das vítimas, que tanta curiosidade nos despertam, e tão pouca misericórdia recebem.

Um abraço

Migas (miguel araújo) disse...

Meus caros amigos visitantes
Obrigado pelas vossas palavras de incentivo.
Espero sinceramente não vos defraudar mais a espectativas que amavelmente souberam depositar neste modesto espaço.
Já agora, as palavras sempre certeiras do ilustre amigo terra&Sal (concordemos com elas ou não) deram origem a um novo post.
Aproveitem e comentem, mesmo que seja para dizer bem
Um abraço a todos