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14 março 2012

As excepções à crise…

Publicado na edição de hoje, 14.03.2012, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
As excepções à crise…

Decididamente, o actual governo arrisca-se a ter, mais rapidamente do que a realidade e a lógica do exercício do poder o faria prever, a maior queda de popularidade.
Esta questão da (im)popularidade até poderia significar alguma credibilidade governativa, pelo exemplo de governação, de rigor, da necessidade em serem aplicadas as medidas e políticas de gestão do país em consonância com a realidade e conjuntura (interna e externa) e com o compromisso assumido com a Troika. Mas a verdade é que o Governo a única coisa que soube fazer, até à data, foi criar cenários de contestação e crítica, foi exigir a quem trabalha, a quem não tem rendimento a não ser o seu salário mensal, ao contribuinte que obrigatoriamente paga os seus impostos, o sacrifício do cumprimento das medidas de austeridade para o cumprimento dos compromissos com a ajuda externa e a consolidação das contas do país. Um esforço que deveria ser generalizado na sociedade portuguesa, um sacrifício colectivo, uma consciência de equidade, de sentido e identidade nacionais.
Se assim fosse era aceitável o esforço e o sacrifício, apesar das legítimas e democráticas críticas. Ou, pelo menos, compreensível.
Mas o que tem sido perceptível é um governo que não tem sido capaz de gerir este esforço da saída do buraco financeiro do país com medidas estruturantes, abrangentes, equitativas, justas. Um governo que não tem sido capaz de conter as contas públicas não apenas pelo lado das receitas (os sacrifícios pedidos sempre aos mesmos), mas também pela vertente da despesa. Ao fim de quase um ano de governação os salários baixaram, o poder de compra diminuiu, o desemprego aumento, as deduções ficais e os impostos retiraram capacidade financeira aos cidadãos e às empresas. Por outro lado, as Empresas Públicas e Institutos do Estado continuam a proliferar, as PPP’s ainda estão por resolver, as privatizações necessárias à solidificação do sector empresarial do Estado avançam a conta-gotas (demasiadamente devagar e com processos questionáveis), as nomeações para lugares públicos denegriram a imagem governativa contrariando o que foi uma bandeira eleitoral, a incapacidade de impor as políticas face à pressão dos lobys (como o caso diferenciado do peso da ANMP e da ANAFRE no processo da reforma da administração local).
Mas mais gritante é esta atitude do governo em relação à equidade e princípio de justiça no que respeita à solicitação e imposição de medidas de austeridade aos funcionários do Estado. Numa situação claramente particular como a que vivemos, criar excepções a uma regra que é exigente e solicita sacrifícios muito grandes aos funcionários públicos ou equiparados (que vão muito para além dos cortes dos subsídios de férias e natal) é de uma preocupante falta de sentido de equidade e justiça. Para além de demonstrar uma evidente falta de capacidade política e governativa face às pressões dos mais diversos sectores. Para além disso, usar o argumento da concorrência de mercado ou de processos de privatização é muito fraco como justificação política e de gestão governativa. É que o governo corre o risco de ver a regra passar a ser apenas excepção. A TAP e a Caixa Geral de Depósitos têm as mesmas obrigações e responsabilidades que o restante sector do Estado.
Os processos de privatização permitem que se criem cláusulas nos contratos de venda que salvaguardem os direitos dos trabalhadores. E se a questão da privatização serve de argumento, é bom que não se esqueçam desse argumento quando criticarem o processos e pretendam garantir a continuidade da titularidade do Estado.
No que respeita à concorrência do mercado, a argumentação é ainda muito mais débil. Primeiro porque o estado não deve ter vocação de concorrência de mercado. Por isso, deve abandonar as suas posições no mercado e garantir as suas funções de regulador. Mas mesmo que se mantenha o argumento, então é que teremos, como diz a sabedoria popular, “o caldo entornado”. O sector dos transportes públicos não tem uma maior concorrência de mercado que a TAP ou, até mesmo, a banca do Estado?! Os CTT, também em eventual processo de privatização, não sofrem a concorrência de outras empresas de entrega de valores? O sector energético não tem concorrência? A RTP não tem concorrência? As Autarquias não têm o princípio da autonomia e da independência? Entre muitos outros…
Desta forma, com mais um “tiro no pé”, este governo arrisca-se a revelar uma crise nacional que afinal é apenas para alguns (que de regra passaram a excepção).
Para terminar, a título de exemplo, quase 70% dos suiços, em referendo, disseram não ao aumento do período de férias de 4 para 6 semanas (proposto pelos sindicatos) por entenderem que isso iria prejudicar a economia do país.
Claro que a Suiça é a regra e não a excepção como nós somos.

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