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07 dezembro 2011

Perceber a reforma do descontentamento

Publicado na edição de hoje, 7.12.11, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Perceber a reforma do descontentamento.

Era incontornável o não regresso à temática do Documento Verde da Reforma da Administração Local. Quer pela pertinência do tema, quer pela realização, neste fim-de-semana passado, do congresso da Associação nacional de Freguesias – ANAFRE.
Já afirmei publicamente que entendo que uma coerente e eficaz reforma do poder local também passa pela redefinição do mapa administrativo ao nível das freguesias. Há freguesias a mais… há uma perda de recursos, serviços e competências… há falta de escala e dimensão… há desperdício de investimentos.
Mas regresso ao “também passa pelas freguesias”. Assim como deveria passar pelos municípios e, até mesmo, pelas denominadas regiões administrativas – NUTSIII.
Daí que tenha afirmado, em artigo anterior, que esta reforma era um engano e uma não reforma, porque não será abrangente e está, ainda, muito pouco delineada e estruturada, mesmo nos outros eixos (sector empresarial local; gestão municipal – finanças locais; e democracia).
Perceber-se-ia, neste sentido, a contestação, as críticas e os “apupos” a que o ministro Miguel Relvas foi sujeito no recente congresso da ANAFRE.
Perceber-se-ia a indignação de muitos autarcas das freguesias ao sentirem o seu papel e todo o seu esforço e dedicação ao bem-estar das populações ser desvalorizado, menosprezado, quando comparado com os autarcas municipais.
Perceber-se-ia a contestação, as “tarjas críticas”, dos autarcas das freguesias pelo facto do documento só ter em conta a história e a identidade dos municípios e não contemplar a mesma importância e relevância para muita da história e identidade das freguesias que advém de séculos de uma forte presença religiosa na administração das comunidades territoriais de maior proximidade.
Perceber-se-ia a decepção dos autarcas das freguesias se esta reforma se sustentasse numa mera questão economicista, como se os municípios não fosse, me grande escala, responsáveis por tanto ou mais desperdício de dinheiros e investimento público.
Mas a verdade é que a posição da maioria dos representantes máximos das freguesias “condenou” o processo de reforma do poder local plasmado neste documento de trabalho apresentado pelo governo pelas razões menos consistentes: a obsessão pela história e identidade (como se a história não fosse um processo dinâmico); a proximidade com os cidadãos (que não será colocada em causa com um aumento de escala e dimensão); e o inadequado recurso ao argumento do baixo valor dos recursos financeiros com os executivos e assembleias de freguesia.
Mas o facto é que são inúmeros os casos, na evolução histórica municipal, de freguesias que foram extintas ou aglutinadas (veja-se o caso da cidade de Aveiro que já teve quatro freguesias urbanas), sendo certo que a reforma não sustenta a extinção das freguesias, mas sim a sua fusão e agregação. A proximidade é um argumento extremamente volátil e contornável, dadas as inúmeras variáveis (extensão, coincidência territorial, número de fregueses, horários de atendimento,…). Além disso, a reforma proposta tem uma vertente economicista relevante, e, neste caso, não só ao nível das freguesias como das finanças e gestão municipal. Mas tal como nos municípios também nas freguesias é importante o redimensionamento, a escala, para que o planeamento de recursos e investimento seja mais sustentável. Há excessivo desperdício de dinheiros públicos em duplicações de recursos entre freguesias contíguas ou próximas, sem que haja escala que justifique a sustentabilidade e manutenção desses recursos (escolas, pavilhões, centros culturais, piscinas, complexos sociais e desportivos, etc, etc). E é aqui que se encontram os tais “gastos” nas freguesias (e, repita-se, em abono da verdade, também e em maior escala nas câmaras municipais).
Desta forma, sendo quase certo que estes fundamentos sustentam a aplicação desta reforma ao nível do seu eixo 2 – Organização do Território (infelizmente a régua e esquadro – ou seja, mais por aspectos quantitativos do que qualitativos), esperar-se-ia uma posição bem distinta dos autarcas das freguesias face a este processo: uma pressão sobre o governo na valorização do papel das freguesias na futura reforma, com maior competências, com transferências directas que permitissem uma autogestão dos investimentos e dos planos de acções e actividades, uma maior e mais clara independência face ao poder municipal, nomeadamente no que respeita, em muitos casos, a uma social, financeira e política dependência asfixiante face aos presidentes das câmaras.
Isto sim, seria valorizar um melhor e maior poder de proximidade, uma maior preocupação pelo bem-estar das comunidades e dos cidadãos, uma melhor e mais eficaz gestão dos recursos e necessidades das populações.
Mesmo com a consciência e com a certeza de que esta reforma (que é, apesar de tudo isto, muito mais que uma questão relacionada com as freguesias) não é justa, abrangente, nem será eficaz num processo verdadeiramente reformista e regionalista. Porque a democracia faz-se com e para todos, e não sobre ou através do uso dos mais “fracos”.
Mas uma outra posição e pressão das freguesias sobre o Governo poderia levar a uma maior valorização da essência da democracia: a sua proximidade.

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