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04 dezembro 2009

Independência(s), Liberdade e Socialização!

Publicado na edição de ontem, 03.12.2009, do Diário de Aveiro.

Cheira a Maresia!
Independência(s), Liberdade e Socialização!

Entre a XIX Cimeira Ibero-Americana, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e o Dia Internacional da Luta Contra a SIDA, no passado dia 1 de Dezembro, comemorou-se, igualmente, a Restauração da Independência (a queda da governação filipina e a chegada ao trono de D. João IV).

O que para muitos dos portugueses servirá de orgulho nacional (embora haja cerca de 40% dos portugueses que não se incomodariam nada com outro rumo da história: a nação ibérica), a questão da independência é léxico suficiente para nos fazer recordar outros princípios relevantes para o desenvolvimento de qualquer sociedade democrática: o direito à informação, ao conhecimento e à liberdade de expressão.

Um dos pilares fundamentais da democracia é este princípio constitucional que estabelece o direito a qualquer cidadão de ser informado, como garante do desenvolvimento social, das liberdades e da ética.

Por isso é que os recentes acontecimentos em redor da anulação das escutas agregadas ao processo “Face Oculta”, a divulgação do teor das certidões, a justiça e o segredo de justiça, são temas que não devem ser “escondidos”, esquecidos ou ocultados!

Esta falta de transparência e clareza gerada pela morosidade, complexidade e “secretismo” dos processos judiciais, esta capacidade que o direito tem de se considerar inatingível (e, consequentemente, incompreensível a quem serve: aos cidadãos e à sociedade) em nada contribuem para a sustentabilidade de um estado de direito e ao equilíbrio social.

A Justiça não deveria enveredar por princípios do género: “o que não se sabe… não existe”. A maturidade de uma democracia e a idoneidade das suas estruturas, devem-se suster em valores claros e transparentes. Nestes o dever de informar é uma dos pilares.

O que seria do direito dos cidadãos à informação se fosse completamente vedada à opinião pública as informações processuais?! Não me refiro ao processo de investigação, como seria óbvio, dada a sua natureza.

Mas perderíamos muita da informação até agora divulgada como fundamento da verdade: faltariam manchetes nas capas dos jornais ou notícias de aberturas nos telejornais. Faltaria o dever de esclarecer…

É certo que à Justiça cabe o direito e o dever de julgar (absolver ou condenar). Mas não será menos verdade que à comunicação social cabe o direito e o dever de informar e esclarecer. Por isso é que a Justiça é poder e a Comunicação Social é contra-poder.

E no balanço e no resultado deste equilíbrio é que reside a sustentabilidade da verdade, do conhecimento e do desenvolvimento social.

A Justiça não se pode fechar de tal forma em si mesma que sobre ela recaiam as maiores dúvidas e o maior descrédito dos cidadãos. Não pode continuar a ser um palco de guerras abertas (internamente), nem continuar a “sacudir a água do seu capote” (responsabilidades) pela falta de estrutura, condições e segurança (fugas de informação e quebras constantes do segredo de justiça).

Não é só o “Freeport”, o “Face Oculta”, o “BPN” ou o “BPP”. Não são só as suspeitas de que as conversas entre o Primeiro-Ministro e Armando Vara revelem factos sobre o “processo” TVI ou as recentes pressões políticas exercidas sobre o director do semanário “Sol”. São muitas outras coisas simples, mas que colocam em causa a equidade entre os cidadãos, a democracia e a ética política.

Tome-se como exemplo… Após sete anos sobre o aparecimento das primeiras denúncias e o trabalho jornalístico então apresentado e cinco anos depois do início do julgamento, o processo Casa Pia continua por resolver: aqueles que apresentaram queixa, aguardam; os que foram acusados têm as suas vidas pessoais e profissionais desfeitas; a instituição viu dois séculos de existência mancharem a sua credibilidade. E ainda, a Justiça mostrou o seu lado mais obscuro e irreal: adiamentos, falhas processuais, testemunhas a mais, inúmeros expedientes usados para atrasar e “baralhar” o processo.

E quando chegar ao fim todo este “enredo”, mesmo que seja feita justiça (na qual já muito poucos acreditam) será tarde demais para os inocentes poderem “limpar a honra” e para os condenados o tempo fez apagar responsabilidades.

É claro que os tempos da Informação e da Sociedade não são (nem terão de ser) os mesmos que o tempo da Justiça.

Mas se, nos dias de hoje, a Justiça não encontrar outra realidade e outro tempo de acção perderá a sua identidade e credibilidade.

É que o problema já não é o cidadão ter perdido a confiança na Justiça.

A questão é, através das suas atitudes e procedimentos, a Justiça ter perdido a confiança e o respeito em si mesma.

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