“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

20 dezembro 2007

Já cheira a Natal...

Publicado na edição de hoje (20.12.07) do Diário de Aveiro.

Crónicas dos Arcos
Já é Natal... outra vez!

É Natal…
Não restam dúvidas. Basta observar o calendário, o excesso de trânsito, o desassossego dos espaços comerciais, a agitação colectiva. Também as birras dos mais pequenos e a sua ansiedade com o aproximar do dia.
Além disso e apesar da azáfama constante, acrescem os planos para a despedida de mais um ano e para a recepção (de braços abertos) do que já bate à porta.
Tudo isto num tão curto espaço de tempo.
Por mais que se diga que “o Natal é sempre quando o Homem quiser”, a realidade testemunha-nos que Dezembro é Mágico.
A sociedade há muito que se transformou, independentemente se para melhor ou pior. O Natal também se transfigurou.
Há um ano, neste mesmo espaço, reflectia sobre o facto de o Natal pertencer às crianças, mesmo aquelas que dele nada podem usufruir.
Volvidos doze meses, importa reflectir sobre este misto de convicção religiosa e simples laicismo que envolve esta altura do ano.
Surgem nesta altura as habituais vozes arautas da fraternidade e da solidariedade, em defesa de valores fundamentais, como a dignidade humana e os seus valores, a pobreza (seja material ou de espírito), a sociedade egoísta e comodista, a guerra e o sofrimento. São, obviamente, princípios válidos e que urge defender. Mas apenas uma vez no ano?! E durante os outros onze meses?
Quantos são aqueles que se insurgem, para além do óbvio simbólico das datas, em defesa dos que sofrem no Dafur, no Sudão, no Iraque, nos confins do sudoeste asiático, nas favelas brasileiras, no nosso bairro?!
Durante o resto do ano, onde estão estas vozes em defesa das crianças vítimas de abusos e maus tratos, de rapto, de exploração?!
Quantos destes tiveram a coragem de criticar a demagogia política e a sua falta de ética, bem como a ausência de moralidade, encobertas pela capa das convenções, na recepção, na conferência EU/África, de líderes de nações, para os quais os direitos humanos não passam de papel de embrulho?!
Os povos, as crianças, os homens e as mulheres, não sofrem apenas durante um mês por ano.
Além disso, nesta data, é “chavão comum” a critica ao consumismo, ao gasto desmedido nas prendas que se oferecem.
Para um país, mergulhado numa economia que não consegue oferecer bem-estar e qualidade de vida à maioria dos cidadãos, é um facto que os gastos nem sempre são ponderados e realistas. Mas esta não é uma realidade apenas sazonal. O endividamento familiar é um problema, infelizmente, constante.
Se é certo que valores como a solidariedade e o espírito comunitário são, na maioria das vezes, esquecidos, não me parece consequente que apenas uma vez por ano nos lembremos dos que mais precisam.
O Natal é celebração. É fraternidade e família. O prazer de dar, o sentido da amizade, da fraternidade ou da solidariedade não deve ter preço, quando a verdadeira vontade de partilhar e fazer o outro feliz é grande.
O que está muitas vezes em causa é o valor do que se dá, a sua importância, o seu interesse ou utilidade. O que será mais grave, o dinheiro despendido num bom livro ou jogo, ou o que se poupa ao oferecer a uma criança um brinquedo bélico, por mais barato que seja?!
Se quisermos transportar esta realidade para o simbolismo religioso da festa do nascimento de Jesus, o exercício é simples.
Apesar de ter nascido na humildade de uma gruta erma, não deixou de ser presenteado, pelo reconhecimento como rei e salvador, com os mais valiosos tesouros: incenso, mirra e ouro.
O mesmo reconhecimento que se pode ter nos laços familiares que nos unem, na amizade dos amigos verdadeiros, na solidariedade que nos move.
Por isso, com mais ou menos prendas, a todos um Bom Natal.

3 comentários:

Anónimo disse...

Viva Miguel
Excelente texto!
Contudo, acredito que para o Ano o seu post tenho um quadro mais prometedor, sinonimo de que algo mudou para melhor neste Mundo de loucos em que vivemos.
Acredito!
Desejo-lhe um Bom Natal para si e sua família e que o Novo Ano lhe traga o dobro daquilo que eu desejo para mim e para os meus.
Abraço

AC disse...

Os ensaios sobre a solidariedade não passam disso mesmo. Umas palavras bonitas mas vazias, saídas da boca de nababos em ocasiões propícias, como é o caso do natal. De resto, longe da vista, longe do coração, até porque essa gente costuma cheirar mal aos narizes delicados.

E nem precisamos de pensar no Darfur – o tal centro comercial – no Sudão ou noutra qualquer terra desgraçada. Fiquemo-nos pelo nosso país, pela comunidade mais próxima. Fiquemo-nos entre os salários de 400 euros que a garotada liberalista acha serem elevadíssimos. Fiquemo-nos por esses, que procuram ainda sobreviver com dignidade humana, pagar uma renda, pôr alguma coisa na mesa, andar de cabeça erguida e rosto lavado. Já teremos o suficiente com que nos preocuparmos.

Um Abraço Amigo.

Terra e Sal disse...

A vida de hoje meu Caro Miguel é ao faz de conta.
Há um Natal pela necessidade de realçar princípios e valores a que já muitos poucos ligam começando por aqueles que ilusoriamente pensamos serem vocacionados para pregar a moral e os valores espirituais e que se dedicam aberta ou camufladamente, aos valores materiais..

Hje não vou fazer a minha habitual “homilia”,não dá, mas tem aqui um excelente texto, como sempre.
Estive ausente do meio por motivos imprevistos, e hoje ressuscitei e estou atrasado.
Não quero deixar de ir dar um abraço a todos aqueles que não conheço, nem me conhecem a mim.

Um abraço também para si meu bom Amigo e que esta quadra simbólica e festiva, seja passada no seio dos seus ente queridos com paz amor e alegria.
Tenha umas Festas Felizes.