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27 novembro 2011

Solidariedade… em tempos de crise

Publicado na edição de hoje, 27 Novembro, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré
Solidariedade… em tempos de crise.


Até ao próximo dia 4 de Dezembro o Banco Alimentar Contra a Fome volta a lançar mais uma campanha nacional de recolha de alimentos: "Graças à sua ajuda há cada vez mais sorrisos", espalhada de norte a sul do país e contará com o contributo de cerca de 34 mil voluntários.
O resultado da campanha deste ano reverterá a favor de cerca de 320 mil pessoas com carências alimentares através de mais de duas mil instituições de solidariedade social.
É reconhecida a capacidade solidária dos portugueses que, nos momentos mais difíceis, se mostram mais próximos dos amigos, dos vizinhos ou, até mesmo, daqueles que não conhecem o rosto mas reconhecem as dificuldades da vida.
Mais uma vez, através de uma das instituições nacionais com um papel determinante no apoio social e solidário (sem qualquer tipo de menosprezo por muitas e muitas instituições que pautam a sua acção e missão por ajudar, de várias formas, aqueles que mais necessitam, na maioria dos casos substituindo um papel e uma responsabilidade que caberia, em primeira instância, ao Estado e às entidades públicas) os portugueses são chamados a demonstrar, de facto, esse espírito de solidariedade e de entre-ajuda.
Com início na sexta-feira passada e até às 13.00 horas de ontem (sábado), no site que o Banco Alimentar disponibiliza como alternativa para que os cidadãos possam, como alternativa, efectuar as suas doações (www.alimentestaideia.net) já tinham sido doados cerca de 3500 litros de azeite, 3200 litros de óleo, 17200 litros de leite, 580 quilos de atum, 1700 quilos de salsichas e 3400 quilos de açúcar.
A campanha deste ano tem uma particularidade. Para além dos alimentos que são doados através do site ou nos super e hipermercados, o Banco Alimentar está igualmente a solicitar doação de papel (jornais, revistas, papel usado, panfletos) que, já não têm valor e que iria para o lixo (ou para reciclar). Com este pedido, segundo a presidente da Federação dos Bancos Alimentares contra a Fome, Isabel Jonet, o papel passa a ter valor monetário: o Banco Alimentar tem o compromisso com uma empresa que paga 100 euros em produtos alimentares, por cada tonelada de papel. Uma outra solução para a angariação de recursos que permitam dar continuidade a um projecto cada vez mais premente.
Mas há duas questões que importa colocar. Será que os portugueses mantêm o espírito solidário que sempre nos caracterizou ou tornaram-se mais individualistas e isolados? E face à conjuntura actual será que ainda restam cidadãos, mesmo que com vontade de ajudar, que tenham capacidade e possibilidade de ajudar? Por natureza, aqueles que menos têm, por sentirem mais fortemente as dificuldades, são os que se mostram mais solidários. A questão é que, cada vez mais, são os que recorrem à ajuda e precisam da solidariedade.
Mesmo que os números divulgados pelo Banco Alimentar demonstrem que, ano após ano, o volume de alimentos doados tem vindo a crescer, a verdade é que esta campanha se desenvolve em plena crise de austeridade, com cortes nos subsídios, no poder de compra e nas finanças domésticas e das empresas. Mas sobretudo há muitas famílias e cidadãos carenciados, e cresce o número de desempregados (12,5% de inscritos nos centros de emprego, o que significa que o número de desempregados é ainda mais elevado por força dos que não recebem subsídio de desemprego e não estão nas listas).
Dados divulgados pelo Banco Alimentar revelam que já em 2011 foram apoiadas 329 mil pessoas através de mais de duas mil instituições e que no ano de 2010 o resultado das campanhas cifrou-se na recolha de cerca 26.600 toneladas de alimentos, numa média diária de 106 toneladas (média calculada por dias úteis).
Mas os números da realidade que o país atravessa são preocupantes, o que reforça a necessidade de uma solidariedade enorme e de um empenho de todos: o aumento do desemprego, a perda de subsídios e de alguns benefícios sociais, apesar do esforço do governo para não penalizar os mais carenciados, a subida das rendas de habitação e dos juros dos empréstimos bancários, o nível do custo de vida, a precariedade laboral, entre outros, são razões consideravelmente fortes que fazem com que cada vez mais portugueses necessitem do apoio de instituições de solidariedade social. Por exemplo, para além dos números divulgados pela Federação dos Bancos Alimentares, a Cáritas Portuguesa, desde o início de 2011 prestou apoio a cerca de 28 mil agregados familiares, correspondendo sensivelmente a 66500 pessoas. Simultaneamente foram recebidas inscrições de 4645 novas famílias (uma preocupante média de 516 casos por mês), equivalentes a um considerável registo de cerca de 12500 novas pessoas apoiadas (1400/mês).
Conforme os números do governo (em função da promessa de descongelamento de reformas) há cerca de um milhão de idosos a viver com cerca de 280 euros mensais. Além disso, um quinto das famílias portuguesas (uma em cada cinco – cerca de 20%) tem dificuldades em cobrir as suas necessidades mais elementares e diárias.
Mas as dificuldades são sentidas também ao nível das próprias instituições solidárias já que o aumento exponencial de pedidos de ajuda provoca a roptura na capacidade de resposta. Por exemplo, em Setúbal, uma das zonas do país mais afectadas pelo desemprego e pela precaridade, o Banco Alimentar responda a cerca de 30 mil solicitações de apoio.
Quando se fala tanto em equidade e justiça, hoje, mais do que nunca, a crise carece de uma resposta fortemente solidária.
Ontem (sábado), ao início da tarde, o Banco Alimentar de Portalegre já tinha recebido quatro toneladas de bens alimentares. No entanto, como dizia uma colega jornalista na rede social twitter… “quatro toneladas e parece tão vazio”!
Uma boa semana… com forte contributo solidário. Porque todos precisamos!

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