“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

06 dezembro 2007

O (des)Ensino...

Publicado na edição de hoje (6.12.07) do Diário de Aveiro

Crónicas dos Arcos
Números que viram história.

Hoje, o esvaziamento do processo de formação e aprendizagem no ensino é preocupante.
A escola forma cada vez menos e pior.
Ainda a algum tempo atrás, foram muitos os que opinaram sobre o ranking das escolas, divulgado nos vários órgãos de comunicação social.
Números frios e crus que pouco ou nada reflectem a realidade do ensino e das várias escolas, já para não falar da ausência de correlação com as comunidades.
O que existe é uma clara disfunção do sistema de ensino em Portugal.
Implementação de estratégias desajustadas, desestruturadas, onde o sentido de responsabilidade, de cidadania, de solidariedade, de valorização do mérito e do trabalho é suplementado, pelo laxismo, pelo facilitismo, pela ausência de regras e pela irresponsabilidade.
O papel do professor está banalizado. Foi despejada a sua natureza pedagógica e social, bem como o seu relevo na formação (para o futuro, sem esquecer o presente) dos jovens, quer do ponto de vista intelectual, quer do ponto de vista social e humano.
O importante, pelos vistos, foi transformar o professor num mecanismo administrativo e estatístico. Ainda há pouco tempo, num jornal diário, uma docente, do distrito de Coimbra, afirmava que, ao fim de 30 anos de serviço, “nunca foi tão difícil ensinar e nunca se ensinou tão pouco”. Para complementar, referindo que papel do professor é insustentável, já que, na sua opinião, “antes um professor preocupava-se em ensinar e tinha os alunos no centro dos seus objectivos; hoje, um professor tem de fazer relatórios, de elaborar e estudar projectos, enfim, quase tudo menos dar aulas”.
Segundo o relatório PISA 2006 da OCDE, recentemente publicado, a taxa de retenção (reprovação) em Portugal situa-se, no 3º ciclo, nos 12,8% e no secundário nos 16,9%. Extremamente elevada se comparada com a média europeia que é de 2,7% e 3,9%, respectivamente.
Face a estes valores, é legítimo pensar-se que existe ma necessidade de se repensar o ensino, a sua programação pedagógica, a sua qualidade.
É legítimo, para o professor, para os pais e para o futuro do país. Mas já não o é para um Ministério da Educação que, para fazer face a uma obsessiva “cruzada” estatística, entende ser relevante a não responsabilização, o não reconhecimento do mérito académico, do esforço dos professores e de muitos alunos e famílias. Mais importante é que, independentemente da qualidade do que se ensina e do esforço do aluno, ninguém seja penalizado, ninguém se esforce, todos possam sentir que estudar não traz esforço e não tem de ser valorizado. Ninguém reprova… estatisticamente, todos passam!
Por isso, não é igualmente de estranhar, de tal forma começa a ser trivial, que o estudo do PISA 2006, indique que, em matérias como Matemática, Ciências e Leitura (da língua materna), entre 57 países envolvidos, Portugal se situe abaixo da média, num modesto e fraquinho 37º lugar. É, pois, negativo o desempenho dos estudantes portugueses (no estudo, com 15 anos de idade), nas três vertentes analisadas.
Como podemos querer ter um país desenvolvido, cultural, social e economicamente, se, desde muito cedo, descuramos a formação e a educação das nossas crianças e jovens?!
Como pode ser possível alcançar níveis de qualificação acima da média que promovam o desenvolvimento sustentável do País, sem melhor a realidade do ensino?!
É fácil dizer-se que o insucesso e o abandono escolar está, hoje, num patamar estatístico melhor do que há alguns anos atrás. Da mesma forma que é fácil dizer hoje que, tais valores, se devem a um ensino cada vez menos exigente, onde reina o facilitismo, a injustiça e a irresponsabilidade.
Os jovens sentem que aprender é algo tão banal que não existe o sentido de esforço, mérito, dedicação, responsabilidade. Tudo é fácil e permitido. Como se a vida assim o fosse no futuro.
A escola está vazia, o papel do professor está destituído de respeito e valor.
Sinais que se reproduzem no tempo, no ensino superior, na formação, na sociedade, na vida profissional …
A história também é feita de números.

6 comentários:

AC disse...

A questão Miguel, é, como se muda isto?

O caminho percorrido nesta cruzada de irresponsabilidade e facilitismo já leva muitos anos e pelo vistos, está para durar.

Abraço

Terra e Sal disse...

É uma grande verdade o que relata meu Caro Miguel:
Hoje, não se sabe escrever. Sabem ler as palavras mas não as sabem interpretar.
Não se sabe contar, não se sabe história, não se sabe nada, de nada.
Vemos licenciados sem saberem quantos quilos tem uma arroba, uma tonelada, nem sabem o que é uma dúzia.
Não têm a noção do quantos metros tem um hectare, não sabem a tabuada, não sabem o mais básico e corriqueiro da história de Portugal.
Não sabem quem é o presidente da República. Não têm ideia do que é a Assembleia da República de como funciona, e para que serve.
Não sabem o que é a União Europeia.
Conhecem bem, de cor e salteado são os grupos musicais da moda,portugueses ou estrangeiros, e todos os bares e discotecas do Minho ao Algarve.
Somos um país de apalermados em que cada palerma tem um diploma de licenciado, sem saber como o conseguiu, ou melhor:
Conseguiu-o sem saber ler nem escrever!
Mas ninguém sabe para que serve, nem os próprios sabem para o que servirá, para além das estatísticas governamentais.
Mas é como diz o ditado:
Não há fome que não dê em fartura!
Tanta carência tinhamos de licenciados que agora temos para dar e vender.
Mas continuamos a ser o que sempre fomos:
Um país de analfabetos.
Estaríamos bem integrados era na África, que afinal, é aqui a dois passos.
Um abraço

Kafé Roceiro disse...

Meu amigão,

Sumi mas por um problema técnico. Mas voltei pra dar um abraço de boas festas e tudo de bom pra você. E o seu timão, com anda?

Um abraço,

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Abel
Vejo 4 aspectos fundamentais.
1 - Dotar a profissão de docente de condições para o verdadeiro exercício de ensinar, formar e educar (dar-lhe capacidade de respeito, autoridade e valorização quer social, quer económica).
2 - Maior exigência na formação de professores e na sua actualização.
3 - Dotar as escolas de maior capacidade interventiva na sociedade.
4 - Ser mais exigente com os alunos, torná-los mais responsáveis, escolher os mais aptos, "forçar" a concorrência. Porque esta é a realidade da vida activa, hoje.
E penso que não há a necessidade de comparações entre tempos e realidades políticas, sociais e culturais distintas. Hoje é hoje, ontem já passou.
O que acontece é que o ensino também já passou, ou melhor, já se passou. Deixou de existir. Está banalizado e abandonado.
Não te que ser melhor ou piro que ontem. Tem que ser diferente hoje. Mas tem que ser.
Cumprimentos

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Terra&Sal
Essa é a triste realidade que tão bem descreveu e com a qual me deparo, por força da minha integração nesse sistema de ensino, e que nunca sonhei ser possível verificar "com estes dois que a terra há-de comer".
É um facto. Não se sabe ler, nem escrever. Nem se sabe aprender as essências da vida e do espírito.
Já nem é diferente ter um diploma ou não o ter.
Aliás, hoje só não o tem quem não quiser.
Mesmo, como o meu amigo o diz, sejam tirados sem saber ler, nem escrever, nem saber como.
Um mero e simples exemplo para ilustração do quadro dantesco que é o nosso ensino actual.
Ou melhor dois exemplos.
Como é possível que se chegue ao ensino superior e se opte por um curso de comunicação (hoje, muito mais que o puro jornalismo) sem qualquer hábito de leitura, nem de um jornal ou sem o mínimo hábito de se ver um debate, um telejornal, um programa de informação? Nada.
Como é possível que um jovem de 21 anos, num curso de comunicação, há cerca de 15 dias, em plena aula de Comunicação Gráfica, tenha tido a maior das descontracções que possa imaginar, ao afirmar que não sabia que existia um semanário informativo com o nome de "Sol"?
É este o futuro desta nação.
Que venha Espanha, meu caro. Mas depressa, antes que seja tarde.
Cumprimentos

Migas (miguel araújo) disse...

Kafé?!
Meu caro. O que lhe aconteceu?!
Até retirei da coluna da direita, não por má vontade, mas porque lhe perdi o rasto.
Seja bem-vindo desse lado de lá do mar.
O meu Porto é sempre a somar, amigo.
Cumprimentos