“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

18 fevereiro 2010

Liberdades...

Publicado na edição de hoje (18.02.2010) do Diário de Aveiro.

Cheira a Maresia!
Liberdades…

O País foi assolado por mais uma polémica e controvérsia política, com as revelações públicas do denominado caso das “Escutas”.
E muita foi também a confusão criada pelas inúmeras opiniões e considerações geradas em torno da publicação no semanário “Sol” das referências às escutas e ao processo que envolve o primeiro-ministro, empresas públicas, políticos e órgãos de comunicação social.
E aqui surge a primeira confusão: liberdade de expressão não é o mesmo que liberdade de imprensa.
Embora o ponto 1 do artigo 37º da Constituição Portuguesa refira que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”, o artigo 38º refere-se, exclusivamente à Liberdade de Imprensa. Neste articulado é garantida, por imperativo legal, “a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico”, para além da “estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião”.
Não me parece que esteja em causa, em Portugal, a garantia da liberdade de expressão, nem a liberdade de imprensa e o direito a informar.
Mas perante a realidade dos factos expostos e conhecidos, é evidente que a liberdade de imprensa foi alvo de tentativa grave e inaceitável de limitação e condicionamento à sua independência. O que resulta numa questionável confiança dos cidadãos numa actual informação livre e isenta.
E é pena que perante estes factos de extrema importância para a garantia das liberdades constitucionais, apenas a própria comunicação social e o confronto político se tenham preocupado com os acontecimentos. A maioria dos cidadãos, eventualmente por preocupações mais reais no dia-a-dia, como o emprego, a educação, a saúde, olha com uma apreensão relativa para os factos.
Mas há outros aspectos que importa referir, mesmo que numa tentativa vã de clarificar a realidade dos factos e a sua extrema importância.
Primeiro a questão do segredo de justiça. Para a sustentação de um estado de direito devem ser salvaguardados os princípios e as garantias relacionados com os processos de investigação. Para além desta fronteira, os cidadãos e as instituições têm o direito de ser esclarecidos e de ter acesso à informação que seja transparente dos processos que norteiam o funcionamento da sociedade. Este é um valor que se impõe a qualquer segredo ou privacidade. Além disso, independentemente do resultado judicial da análise dos factos, quer se queira, quer não, os acontecimentos revelados extravasam a justiça: revestem-se igualmente de um importante aspecto político.
Em segundo lugar, existe a consciência da falta de responsabilidade e de actuação eficaz por parte da entidade reguladora da comunicação social, que se esperaria isenta e independente, como espelho dos princípios que devem orientar os processos comunicacionais. A sensação que transparece da sua ineficácia é uma “instrumentalização política e governativa” das instituições reguladoras em Portugal.
Por último, este processo das escutas resulta na imagem que os cidadãos têm da justiça: pouco clara, pouco eficaz, morosa e complexa. Se a mesma tivesse agido dentro do seu âmbito, de forma independente e demonstrando que ninguém está acima da lei, talvez hoje poderíamos olhar para os acontecimentos de forma diferente.
Percebe-se agora o alcance da expressão usada por Manuela Ferreira Leite, na altura das campanhas eleitorais: o país sofre uma “asfixia democrática”, que tem na comunicação social, no importante desempenho dos jornalistas e (de forma generalizada) no seu papel relevante, um claro alvo.
E, pessoalmente, preocupam-me os acontecimentos revelados e conhecidos. Mas assusta-me muito mais, face aos factos, o que não é revelado, nem chega a ser conhecido.
E que dissimuladamente condiciona e limita as fundamentais garantias e liberdades.

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