Publicado na edição de hoje (24.4.08) do Diário de Aveiro.
Crónicas dos Arcos
Espaço Público.
Amanhã, registam-se 34 anos volvidos sobre os acontecimentos da madrugada de 25 de Abril de 1974.
À parte os contornos político-ideológicos que envolveram (ou que ainda envolvem) o registo histórico, é inegável um dos fundamentos que sustentaram a “revolução”: a liberdade de expressão (um dos “rostos” da abrangente conquista da “liberdade”).
Mas se a mesma foi conquistada poder-se-á, hoje, falar de um real espaço público e de cidadania?!
A noção deste espaço público, por exemplo no conceito de Habermas ou do filósofo português José Gil, corresponde ao “espaço” onde se formam as opiniões, as decisões políticas e sociais e onde se legitima o exercício do poder. É o espaço do debate e do uso público da argumentação crítica.
Este espaço não existe. Ou considerando-o, perdeu a sua legitimidade, por inércia, “medo”, apatia e indiferença do cidadão.
Esta ausência do exercício do direito de cidadania (de questionar, de confrontar, de propor, de agir consciente e coerentemente) foi ocupada pela passividade e laxismo com que acedemos à informação globalizada dos meios de comunicação social (nomeadamente a televisão).
Incomparavelmente, na sociedade actual, é possível a qualquer indivíduo um acesso quase que incondicional e ilimitado a uma quantidade infinita de informação sobre o mundo. Hoje, lê-se e ouve-se sobre política, ciência, cultura, guerra e fome, economia, educação, trabalho, através da acção dos meios de comunicação de massas.
Mas perdeu-se o sentido de intervenção pública ou da construção de massa crítica.
A óptica principal do conceito de construção social da realidade, é a de que a mesma seria construída, dia a dia, pelas práticas individuais e sociais de cada um, conduzindo a uma permanente redefinição e renegociação das regras, normas, significados e símbolos sociais.
Além disso, a referida ausência do exercício do direito de cidadania foi igualmente transferida para o espaço político-partidário. Só que os cidadãos cansaram-se da política.
Cansaram-se do “hoje é verdade, amanhã é mentira”, da falta de rigor, de medidas sociais e humanistas desajustadas, desestruturadas e longe das necessidades vividas no quotidiano. Cansaram-se dos jogos de poder, da falta de ética, das influências e da corrupção. Mas também, e principalmente, pelo esvaziamento das ideologias, dos princípios, das fronteiras dos valores.
Esta incerteza e indefinição que os partidos conferiram à política e ao seu valor, criou um abismo entre os eleitores e os eleitos, uma oscilação na defesa de posições, de princípios e de ideais que origina uma efectiva displicência e indiferença entre o estar à direita, ao centro ou à esquerda.
Criou um vazio de inscrição social, comunitária, individual e histórica.
E o que é mais relevante nesta realidade é a questão que se prende com a desvalorização (e porque não de novas formas de controlo e de “censura”) da liberdade de expressão, da demissão do exercício do direito à cidadania.
Porquê?! Porque a maioria dos cidadãos, independentemente da inegável quantidade e qualidade de meios (nomeadamente os tecnológicos) de que dispõe para participar, construir e intervir, cada vez se alheia mais do seu papel cívico e reivindicativo e, igualmente, porque na globalização da comunicação e das relações económicas e políticas o ser-se um receptor passivo e que transfere, por comodismo, a sua responsabilidade cívica para outro “espaço público”, serve de “desculpa” à anulação de um desejável actor participativo.
Volvidos 34 anos deitámos para o “lixo” o esforço da conquista fundamental do direito à cidadania.
À boa maneira portuguesa, marcamos a história para, logo em seguida, nos sentarmos “à sombra da bananeira”.Assim progride a nação. Assim cresce uma sociedade preocupada.
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