“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

22 março 2007

Individualismos...

Publicado na edição do Diário de Aveiro de 22.03.07

Post-its e Retratos
Olhar os outros…


Há situações que, para o nosso dia-a-dia, são apenas realidade em filmes ou em sociedades distantes e complexas, em grandes centros urbanos (como nos Estados Unidos ou até mesmo em Lisboa). Ou quando os meios de comunicação nos trazem imagens da vida. Aquela que é mesmo vivida e sentida nas mais pequenas coisas do dia-a-dia.
Como andar de transporte público, pedir esmola no metro, ser assaltado em pleno dia, ser agredido…
Esta é uma triste e complexa realidade das sociedades de hoje, sejam elas ocidentais, orientais ou “assim assim”. É a complexidade da heterogeneidade das pessoas, das realidades sociais, culturais, étnicas e da intercomunicabilidade.
Quando acontece em espaços mais ou menos distantes, o que normalmente nos provoca é alguma sensação de desconforto, inquietação ou antipatia.
Mas quando acontece entre o nosso espaço de comunidade, será que alteramos as nossas reacções?
Um dos principais e primários propósitos do actual Presidente da República (política à parte), quer durante a sua campanha, quer na sua tomada de posse e também num dos seus “roteiros”, é a grave problemática da exclusão social. Embora me pareça mais preocupante o da inclusão social.
São capazes de nos incomodarem as imagens diárias de situações medonhas e chocantes do sofrimento humano existente por esse mundo fora, sejam provocadas pela guerra, pela fome, pela violência, por catástrofes naturais ou, estúpida mas infelizmente, pela falta de humanismo, respeito pelos direitos dos homens ou pela avidez de alguns. E no caso de tais realidades estarem directamente relacionadas com crianças e adolescentes, a situação tem contornos mais acentuados.
Se há alguns anos atrás, este era um panorama social e de sociedades distantes, nos dias de hoje é uma constante dos nossos maiores centros urbanos. São circunstâncias que ocorrem em Lisboa e no Porto e das quais tomamos conhecimento através dos meios de comunicação, e que nos começam a gerar alguma inquietação e sensação de insegurança.
São a complexidade de um mundo mais globalizante, mais livre, mas ao mesmo tempo mais injusto, descriminador, intolerante e fechado.
O sentido comunitário, de solidariedade e respeito pela dignidade do outro, são princípios que, cada vez mais, perdem significado e esvaziam o seu conteúdo.
É fácil afirmarmos à mesa de um café, na roda de amigos, no trabalho, na escola ou, até mesmo, na família, que os portugueses são, por natureza, um povo pacífico, condescendente e acolhedor.
Tristemente, não são… quanto muito são disfarçada e tolerantemente anti-racistas e anti-xenófobos. Quanto muito são politicamente correctos e indiferentes.
São, na sua maioria, tolerantemente acolhedores, por razões históricas, sociais e culturais (essencialmente devido ao nosso espírito emigrante). Mas são igualmente, na sua maioria, indiferentes. E, nos dias de hoje, só em circunstâncias muito especiais, os portugueses são verdadeiramente solidários.
Aceitamos e recebemos imigrantes do Leste europeu, da Ásia, de África, com mais ou menos aceitação ou facilidade. Salvo raríssimas excepções, somos capazes de conviver política e desportivamente com os nossos directos rivais (o que em alguns países não é uma realidade muito comum). Mas seremos verdadeiramente humanos, sensíveis e solidários?
Será que tomamos consciência das realidades sociais que vivemos no dia-a-dia? Será que a nossa tolerância é tão abrangente que o nosso convívio e intercomunicabilidade humana é isenta de preconceitos para com quem não é igual a nós?
E será que os aveirenses já se aperceberam que algumas exclusões sociais que nos habituámos a ver apenas na televisão, nos jornais, a ouvir na rádio, circunscritas a Lisboa e Porto, começam a ganhar forma em Aveiro? Cidade que sempre nos habituámos a definir como acolhedora, simpática, aberta e solidária?
Actos de vandalismo, assalto e ligeiras desavenças ou desordens, já há algum tempo começaram a fazer parte do nosso quotidiano citadino.
Mas a insensibilidade, a falta de respeito pelo outro e, eventualmente mais grave, a indiferença humana, são os mais graves sintomas de uma cidade em perfeita rotura pelos seus princípios históricos, culturais, sociais e religiosos que sempre a caracterizaram.
Ainda esta semana, uma jovem, para quem o seu trabalho em “part-time” se reveste de uma importância capital para a sua formação pessoal e sobrevivência, enquanto executava as suas tarefas laborais num centro comercial da nossa cidade, viu-se agredida, humilhada e psicologicamente espezinhada por “supostos” clientes. Num espaço cheio de gente que assistia e passava no local, à vista de responsáveis, não havendo ninguém que tivesse a coragem, a solidariedade, o respeito e a sensatez de ajudar. Mais grave ainda… no dia seguinte seria acusada de ter reagido educadamente na defesa e protecção dos produtos que tinha a responsabilidade de vender.
E porquê?
Porque ninguém achou que tinha alguma coisa a haver com o caso. Por cobardia. Porque do lado agressor estavam pessoas, também elas humanas, mas etnicamente diferentes.
Hoje, infelizmente só abemos falar do Iraque. E esquecemos Aveiro.
Mais grave ainda… esquecemos quem está ao nosso lado.

6 comentários:

Anónimo disse...

Vá lá !! Escreva mais.

Cristina disse...

tás vivo miudo???

trago um beijo, onde o deixo?

Anónimo disse...

AMIGO TERRA E SAL

Tentei enviar uma "colaboração" para o seu SALMARITIMO, mas penso que não entrou,por falta de password.Vou tentar enviar por aqui.
A quadra refere-se ao último "post" colocado.

À VETUSTA FIGURA

Não sei se é iraniana.
Ou será "afeganistoa"?
Não, esta a mim não me engana;
Esta burka é de Lisboa...

ZÉ MALAGUETA

Terra e Sal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Terra e Sal disse...

Caríssimo Migas:

Há muito que por aqui não poiso, não por falta de estima, apenas porque costumo ler, como se calhar a maioria das pessoas, as suas crónicas no Diário de Aveiro.

Não vou tecer-lhe elogios, não devo fazê-lo ( vc é simpatizante de um partido em que militantes dão sovas nas mulheres) apenas lhe digo que atenta em assuntos bem interessantes do quotidiano, também da nossa cidade...
Aveiro em cada dia que passa, mais deixa de ser aquele lugar em que todos nos conhecíamos, convivíamos e nos respeitávamos.

O crescimento é também isso, e Aveiro cresceu também em amálgamas de interesses, amizades e valores fortuitos, em que se perde muitas vezes a identidade…
Aveiro, como parece dizer no seu post, está a perder de algum modo, o seu próprio “ADN”.

Permita-me por fim uma sugestão, Migas:
O Diário de Aveiro, geralmente lê-se durante o dia, e bem sei que agora, a sua faculdade ( que não é a Independente) não lhe dá grande tempo.
Mas gostava de vir aqui e ser surpreendido com um assunto diferente, daquele que li durante o dia.

Por fim,
Com todo o respeito transcrevi para o “Salmaritimo” os comentários do nosso Amigo Zé Malagueta, um dos poucos Aveirenses que reage de peito aberto e língua salomónica, às misérias da nossa terra, e de outras, que grassam por aí...

É pena não criar um Blog, está a fazer falta à Blogosfera Aveirense, um homem com a sua inspiração.

É que nos seus versos e a brincar, diz coisas tão sérias, que dão mesmo para pensar!

Um abraço Migas
Um abraço meu Caro “Zé Malagueta”

Anónimo disse...

Caríssimo Miguel, bom dia!

É um facto que a maioria dos aveirenses não se aperceberam das MUITAS exclusões sociais que existem no distrito e muito especialmente no nosso concelho. Exclusões que desde há muito ganharam forma e que, tal como uma bola de neve, vão aumentando.
Algumas desses exclusões vão sendo acompanhadas e atenuadas. Mas...e as outras? Aquelas que se encontram escondidas e por vergonha não se mostram? E são tantas!

Um abraço e boa Páscoa para si e para os seus.