“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

25 janeiro 2007

Um País de Emoções

Publicado na edição de hoje (25.01.07) do Diário de Aveiro.

Post-its e Retratos
Emoções nacionais…


Os portugueses são um povo feito de emoções.
Faz parte de uma identidade nacional muito característica.
Podemos parecer egoístas, fechados, individualistas, mas quando “toca a rebate”, na hora de demonstrar solidariedade ou de defender causas carregadas de enormes cargas emocionais, esquecemos o mundo e “vamos à luta”.
De tal forma que, nestes últimos dias, esquecemos o país em que vivemos: já não nos lembramos dos aumentos dos preços, das taxas de juro, da contestação social, da OPA ou da eucaristia da direcção de finanças... Até conseguimos relegar para segundo plano a campanha do próximo referendo, o apito dourado e já nem há memória para recordar o processo Casa Pia. E quantos se aperceberam que o Presidente da Nação foi a Goa?
De tal forma que, nestes últimos dias, as conversas nos cafés, nos locais de trabalho, em família, já não se centram no orçamento camarário e nas respectivas tricas partidárias, na lei das finanças locais, no Beira Mar luso-espanhol, nas árvores do Parque ou no Hospital D. Pedro.
Não…
Hoje o país tem um nome: a pequenina Esmeralda.
A comunicação social tem actualmente uma posição socializadora privilegiada, uma capacidade de provocar efeitos no receptor, em função de uma determinada realidade que é entendida como “apetecível” à sociedade.
Daí que não se estranhe que o país pare. Se emocione. Crie convicções e posicionamentos mais ou menos estruturados e colectivos.
A capacidade socializadora dos media para moldar comportamentos, surtiu os seus efeitos.
Neste caso particular, pelos seus meios e pelo seu mediatismo, a televisão assume um papel predominante.
Todos somos juízes, advogados, psicólogos, pedopsiquiatras e, inclusive, jornalistas através da capacidade nata de transmitir mensagens e notícias.
Todos assumimos os nossos papéis de pais, mães, filhos, educadores.
Colocamo-nos, muitas vezes irracionalmente, de um dos lados da “barricada”. Por uma consciência de maioria, por um posicionamento do lado minoritário, por convicção forte ou… porque sim, simplesmente.
Assumimos a força das leis. Assumimos a contestação às leis, por distantes dos nossos sentimentos.
Curiosamente somos tudo.
Infelizmente não assumimos o papel de criança. Ou melhor da criança. Mais concretamente, desta criança - a Esmeralda.
Desde os pais biológicos, aos de afecto, passando pela justiça, pelos media, por todos nós.
Há neste processo, uma falta de dignidade gritante para com uma criança de apenas 5 anos de idade.
Sem capacidade e maturidade de assimilar toda esta carga emotiva, mas que ao mesmo tempo se vê envolta num turbilhão de sensações que não compreende mas que, obrigatoriamente, vive. Ao mesmo tempo que se vê privada das suas rotinas, da sua estabilidade emocional e afectiva.
Seja qual for o desfecho final deste processo, que futuro é reservado para a Esmeralda?
Há nesta nossa desmedida ânsia pelo sensacionalismo, uma preocupante irracionalidade e renúncia da realidade.
Esquecemo-nos dos milhares de casos de processos de adopção e das suas dificuldades (essencialmente burocráticas), felizmente longe dos “holofotes” do mediatismo.
Por outro lado, um mediatismo que deixa para segundo plano e com uma projecção minimalista, realidades como a pedofilia, os maus-tratos infantis, a violência psicológica ou as crianças mortas por familiares ou pelos próprios progenitores.
É este um país que se emociona e se move em torno de uma causa. Mas que, simultaneamente, adormece e fica anestesiado, em tantas outras situações semelhantes e reais, por força da ausência ou diminuição da carga emotiva e da mediatização.
Para a Esmeralda e milhares de outras crianças, pede-se e espera-se que possam ser felizes. Por elas, para a sociedade e para o futuro do País.
Para este, espera-se que “acorde” rapidamente.

18 comentários:

Susana Barbosa disse...

Olá Miguel

Pois... é urgente. Que o país acorde para a vida real!

maria papoila disse...

Miguel, notou-se que escreves-te com o "coração".
Parabéns!
Adorei

Terra e Sal disse...

Meu bom amigo:

Também eu li esta sua crónica no Diário de Aveiro.
Um dia destes estou a vê-lo num semanário de grande tiragem, e eu vou ficar roído de inveja...
Está muito interessante o seu artigo, e por isso está de parabéns.
Vivemos efectivamente de emoções, somos latinos, o clima também influencia, queiramos ou não. Os espanhóis e italianos não nos ficam atrás nestes comportamentos reactivos.
Somos ao fim e ao cabo uns”emocionalistas primários”
É que reagimos aos efeitos e geralmente nem nos preocupamos com as causas.
O mundo devia ser governado assim, o juiz era o coração de cada um, mas em causa própria, porque nas causas alheias, eramos uma desgraça.
No caso da Esmeralda:
Andam com a lei para cima e para baixo, com sequestros onde não os vejo, e toda a gente metida no assunto, com toga ou sem toga, com poderes instituídos ou não, em cada dia que passa a cometer um crime e a castigar uma inocente, física e intelectualmente, alterando com este comportamento a personalidade e carácter desta criança, que se desejava neta fase da sua vida apenas tivesse como alicerces, o amor.
A Esmeralda, como o meu Amigo implicitamente diz, é o símbolo de muitas outras "Esmeraldas", que andam por aí, ao Deus dará,na procura de alguém que os ame e lhes dê paz, num mundo hostil, que elas não escolheram.
Todas as "Esmeraldas" do mundo,de boa vontade dispensam as leis e as burocracias, porque cada dia que passam à sua espera, o seu coração contrariado vai “endurecendo” para criar naturalmente defesas, que mais tarde, se transformam noutras coisas nefastas.
Nesta fase apenas está carenciado do que é mais simples, amor, bem-estar e carinho, e nós nas nossas emoções que vivemos, negamo-lo e vive-se a odisseia, como uma telenovela, em que esperamos o fim,que é sempre dramático.
Um abraço Migas e bfs.

Pé de Salsa disse...

Boa noite Miguel,

Este seu texto que já tinha lido no DA está muito bom. Como diz a Papoilinha, nota-se que o conteúdo lhe saiu mesmo do "coração".
Conseguiu, em poucas palavras, falar de quase tudo o que se passa no nosso País, o que é difícil.
Gosto de o ler e da sua perspectiva relativamente ao que nos rodeia.

Parabéns. Desejo-lhe um bom fim de semana.

João Branco disse...

Meu caro amigo Migas:

Primeiro, permite-me como doutor de Coimbra fazer as perguntas da praxe:
Como vai esse curso?
Como vai esse estudo?

Em segundo lugar, gostaria de deixar aqui o meu humilde testemunho enquanto cidadão Português, mas sobretudo enquanto jurista.

O que estão a fazer ao militar Luis Gomes é uma grande injustiça.
É certo, que a atitude que o carissimo militar e a mulher tomaram, de esta fugir com a pequena Esmeralda, transpõe como é óbvio,largamente a barreira do licito para o ilicito.

Mas é uma tremenda injustiça, um pai, ser preso ( e a mãe também o irá ser, só falta mesmo é encontrar o seu paradeiro e o da criança) por simplesmente amar uma filha.

É uma tremenda injustiça, arruinar-se uma vida de uma familia feliz, porque um " bebado" qualquer de Torres Novas, que não trabalha, vive com a mãe e imagine-se tem um empréstimo para amortizar de um carro que comprou recentemente, se lembrou agora que tinha uma filha de 5 anos.


É uma falta de bom senso enorme de uma juiza ( que embora seja irresponsável perante os acordãos e sentenças que executa) vir dizer para a televisão que não se sente arrependida da sentença que proferiu ao militar Luis Gomes.
Como jurista, isto enche-me de uma imensa revolta, porque, uma juiza, ao dizer isto só merecia que se lhe fizesse a si uma coisa: o despedimento e a proibição de exercer a magistratura novamente, mas infelizmente estamos num pais onde os magistrados vivem num pleno paraiso e são intocáveis como rochas.

E o Portugal onde vivemos!
Desculpem, a minha falta de patriotismo, mas preferia isto ver entregue aos Espanhois. ( mas esqueci-me que isto economicamente é a 16ª provincia de Espanha).
Porque se um dia os Espanhois entrassem por aqui dentro, ficaria calmamente no bar da minha faculdade a ver os pobres portugueses a lutar por algo que há 30 anos anda democráticamente perdido.

Um grande abraço do João Branco

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Maréchal
De facto o mundo gira e avança com uma velocidade de tal forma estonteante que tesmo que estar bem preparados, atentos, disponíveis para mudar ou, ao mesmo tempo, firmes nas nossas convicções.
Ou corremos o risco de nem nos apercebermos que já vivemos.
Um abraço

Migas (miguel araújo) disse...

cara Susana
Nós vivemos muito dependentes de sonhos e de acções momentâneas.
E esquecemo-nos de viver acordados.
Cumprimentos

Migas (miguel araújo) disse...

Papoila.
Viva
Foi, amiga. Foi com o coração. Aliás é com este que se aprende a viver e a ver o mundo que nos rodeia.
bjs

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Terra & Sal
Num semanário de grande tiragem, com muito gosto e com a esperança que o meu Amigo seja o Director.
Em relação à pequenina Esmeralda, como deve ela sofrer com tamanho egoísmo e cegueira dos adultos.
São sempre, os mais fracos e inocentes que acabam mal nas histórias.
Um abraço

Migas (miguel araújo) disse...

Pé de Salsa
Obrigado pelas palavras. É sempre um reconforto interior quando, mesmo que modestamente, recebemos tais elogios.
Como o fim de semana já está quase no fim, retribuo com uma boa semana.
Cumrimentos

Migas (miguel araújo) disse...

Caro João
Bem vindo
Há quanto tempo. Aliás temos os dois uma falha enorme que, poderá judicialmente, merecer alguma punição: o nosso espaço comum anda muito abandonado. As minhas desculpas.
Por outro lado, senhor doutor, os estudos e o curso vai indo. Com muito esforço, já que a disponibilidade e a paciência já foi coisa que abonou pelos meus lados. E ainda vmos no iníco.
Quanto ao post, quem sou eu para contrariar um senhor douto nas leis deste país.
E neste caso particular, um pobre país.
Um abraço

Arauto da Ria disse...

Caro Miguel,
Julguei que já tinha comentado este excelente artigo, que já li desde a publicação no DA, mas tal não aconteceu devido á celeridade com que tenho passado por aqui e outros sítios obrigatórios.
Obrigado pelo elogio, mas creia que não o mereço.
Quanto á essência, que quer, nós somos assim.

Um abraço.

AC disse...

Caro Miguel,
Eu estava a ver se passava sem comentar, Já por aqui vim e fui-me embora sem deixar uma só palavrinha ao meu amigo. E não é por desconsideração. Bem antes o contrário. É que eu não consigo comentar uma peça destas. É pesada, para mim, muito pesada!

Sabe, é que tenho uma outra visão do assunto. De chapa, os portugueses entretêm-se com a vida dos outros em substituição de se preocuparem com a sua própria. Dá mais jeito apontar as faltas alheias do que as próprias. Quantos caramelos destes que se vão exibir para as portas dos tribunais, dão efectivamente condições de vida dignas, educação apropriada, apoio e educação aos seus próprios filhos? A julgar pelo aspecto da maioria, ficamos imediatamente esclarecidos.

Os nossos media, são de outro mundo. Fazem de porcarias que não têm qualquer interesse, um caso que apaixona o país. Conseguimos ter televisões que fazem julgamentos às portas dos tribunais. É um país de telenovelas, sendo que estas, ficam mais baratas. Os artistas vão de borla.

Alinha-se tudo por baixo. Pobreza, miséria, espectáculos degradantes, sordidez. Um país indigno. Ora se esses gajos(as) que se vão mostrar às câmaras de televisão, estivessem a trabalhar, a estudar ou a fazer qualquer coisa útil, seriam bem mais produtivos e contribuiriam efectivamente para a erradicação das várias chagas sociais.

Estou de acordo com o nosso amigo thesarcasticway quando diz que “é uma falta de bom senso enorme de uma juiza ( que embora seja irresponsável perante os acordãos e sentenças que executa) vir dizer para a televisão que não se sente arrependida da sentença que proferiu ao militar Luis Gomes.” Claro que sim, quando os juízes se vêm na condição de vir publicamente justificar as suas decisões, o estado de direito está no fim.

Como todos sabemos, os juízes não fazem as leis. Aplicam-nas! E, se a lei, no caso, não faz justiça, é a lei que tem de ser mudada.

Meu caro Miguel, em minha opinião, a capacidade que os media têm de provocar reacções e moldar comportamentos, é proporcionalmente inversa ao nível cultural e intelectual deste povo.

Há dias, vinha a sair do veterinário com um cachorrito ao colo. Uma senhora de média idade, olhou-me e vociferou: - Tanta criança com fome! Ao que respondi: Não os façam!

É que eu tenho dois filhos. Foi os que pude criar nas condições necessárias para se criar uma criança. Se tivesse tido dez, andavam por aí a pedir esmola ou estavam entregues a sargentos.

Para este peditório, meu Amigo, é a minha dávida.

Nuno Q. Martins disse...

Caro Miguel!

O seu artigo já tem uns dias e já tinha passado por cá a lê-lo, mas os "afazeres" académicos por esta altura esgotam-me quase por completo a disponibilidade para comentar devidamente textos de enorme qualidade, como este que nos apresenta.

Como já aqui foi dito, o meu caro tocou em várias "feridas". Em poucas palavras, disse muito. Aprecio o estilo e admiro-o pela lucidez.

Eu não comento este caso como jurista porque ainda não concluí a licenciatura. Se alguns nem com ela o são, quanto mais eu que ainda me faltam algumas cadeiras.

Ainda assim, da minha sensibilidade para as coisas do direito, penso que será oportuno "re-posicionar" a discussão. Ainda que a justiça só se concretize no caso concreto, se ela não se sustentásse em critérios gerais e abstractos, ficando seriamente comprometida às vicissitudes e subjectividade de cada conflito, o nosso sistema jurídico há muito estava falido e hoje já ninguém recorria aos tribunais. Há muito estava instalado o descrédito das instituições e imperava a "justiça privada". Penso que qualquer ser socialmente responsável compreende que um modelo de arbitrariedade completa seria calamitoso.

Com isto, quero dizer que compreendo a posição dos tribunais. É que não há "bons" e "maus" nesta história da vida real, tal como querem fazer crer as televisões e media em geral. O Sargento agora detido falhou redondamente quando não pediu em tempo útil a adopção da menina. Pelo que sei, ele e sua esposa "deixaram andar". Claro que não devem ser agora penalizados por isso. Plenamente de acordo. Mas têm que se sujeitar à tutela do sistema jurídico. Não podem sequestrar a menina e ficar impune. Imagine, caro Migas, o grave precedente que se abriria na justiça se tal viesse a acontecer. E pergunto-me, quem somos nós para avaliar a má-fé do pai biológico? Com base em quê? No que a televisão nos diz? Temos que ter bom-senso e algum sentido crítico também.

Não concordo que a juíza tenha vindo à televisão "defender" a sua decisão. É perverso que os agentes da justiça, nomeadamente, aqueles que estão directamente envolvidos no caso, contribuam para o ruído mediático.

Exige-se serenidade absoluta na busca da melhor solução. Em primeiro lugar, está em causa o melhor para a Esmeralda, mas estão também em causa os alicerces da justiça, dos quais depende todo o nosso sistema de convivência social.

Atenção, que não se retire das minhas palavras a tomada de nenhum partido, ou "lado da barricada" como o Miguel classificou brilhantemente no artigo. Está em causa que qualquer decisão, para ser boa, tem que ser ponderada com racionalidade. Convocar as emoções no momento da decisão, poderia adequar-se a este caso (talvez...) mas seria desastroso para o tráfico jurídico e, porventura, para as outras "Esmeraldas".

Penso que esta será mais uma oportunidade para se reflectir sobre a eficácia da nossa lei da adopção, revista e aprovada em 2003. Até que ponto está a corresponder às expectativas e a satisfazer as necessidades sociais. Essa será um proveitoso debate.

Quanto ao caso da "Esmeralda", confio em última ratio na capacidade e preparação dos juízes, em clara oposição com os sentimentos controversos da opinião pública influenciada e manipulada pelos media.

Um abraço, Miguel.

Cristina disse...

"um mediatismo que deixa para segundo plano e com uma projecção minimalista, realidades como a pedofilia, os maus-tratos infantis, a violência psicológica ou as crianças mortas por familiares ou pelos próprios progenitores."

pois é...mas depois, importante é o embrião....tás a ver a hipocrisia de tudo isto??

beijinhos estudante, bom fim de semana.

Arauto da Ria disse...

Caro Miguel,
a sua casa anda desprotegida pelo dono, mas entende-se, muito trabalho e frequências, penso que sejam estes os motivos, no fundo habituou-nos mal e faz-nos falta.
Um abraço.

Migas (miguel araújo) disse...

Cristina
Com muito respeito por qualquer das posições da "barricada" e, obviamente, pela tua opinião e posição, o embrião não tem nada a haver, nem culpa nenhuma.
Obrigado pela força do estudo que isto não está fácil.
bjs

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Arauto
Meu Amigo. Assim é. Reconheço. Mas depois desta semana, novas disponibilidades virão.
De facto os trabalho e as frequências têm-me ocupado muito tempo. Mas eu prometo um maior esforço.
Mas também é bem feito para mim. Não o fiz quando devia e agora aos 40 anos, casado e com uma filha é que me deu para tal. E se custa...
Um abraço