Publicado na edição de hoje (7.12.06) do Diário de Aveiro.
Post-its e Retratos
Ancestralidade.
Chegada a esta época do ano, há sempre (infelizmente, na maioria dos casos, apenas em momentos pontuais) questões sociais que nos assolam os sentimentos. Que nos inquietam de forma mais evidente.
São dados estatísticos públicos que Portugal se está a tornar num dos países mais envelhecidos da Europa, prevendo-se que, em 2050, cerca de 30% da população (quase um terço) tenha mais que 65 anos (actual idade da reforma). Esta é uma situação que provoca algumas alterações na sociedade e na própria forma de encarar a vida.
Segundo outros dados divulgados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, no ano de 2005 a APAV recebeu 347 casos de idosos vítimas de violência física e psíquica. Obviamente que este número peca por defeito, pelo facto de muitos dos idosos não revelarem ou denunciarem as situações em que estão envolvidos, por receio, desconhecimento e, até mesmo, por vergonha.
Esta é uma realidade que necessita verdadeiramente de uma reforma. Reforma de comportamentos, responsabilidades e acções socio-políticas.
Até há alguns anos a esta parte, a violência familiar resumia-se, quase que exclusivamente, às mulheres e às crianças. Hoje, fruto das alterações sociais, económicas e culturais que envolvem o conceito de família na actualidade, transformaram os papéis familiares. A ancestralidade, a figura da avó e do avô tornou-se excedentária e pontualmente requerida.
Como disse uma vez numa entrevista o actor Ruy de Carvalho, “na vida só se tem uma certeza, que é a morte”.
Um idoso, ao fim de uma vida cheia de tudo, já dispensa muita coisa. Mas não dispensará nunca a afectividade, o carinho e o respeito, em jeito de recompensa pelo trabalho, dedicação e sacrifícios que realizou ao longo dos anos.
Na sociedade de hoje, por inúmeros factores, os lares, centros de dia e o apoio domiciliário, são uma necessidade.
Independentemente do carácter social das instituições e do incansável e incalculável auxílio dos profissionais e voluntários, nada substitui a família. O reconhecimento, afecto, carinho e respeito por aqueles que venceram todas as dificuldades e superaram os sonhos de criar uma família, nunca deveria prescrever.
No entanto, o casos de abandono, burlas, maus tratos, miséria e esquecimento são cada vez mais uma realidade triste de uma sociedade que não sabe valorizar a experiência da vida.
Uma sociedade e família que já não conseguem reconhecer e praticar uma concreta solidariedade e afectividade para com os idosos.
Ao contrário das culturas e realidades sociais orientais (pelo menos da sua maioria), os idosos hoje, em Portugal, tornaram-se um excedente. Quer do ponto de vista social, económico e familiar.
Não produzem, não são reconhecidos como alvos comerciais preferenciais, perderam o seu lugar de referência na família. São portanto, um peso, um fardo, uma inutilidade.
Deixaram de ser uma parte importante e valiosa do saber adquirido e da experiência da vida.
O que temos hoje é, logicamente, fruto do trabalho, da dedicação e da emotividade dos que nos precederam. Nada apareceu por acaso ou vindo de lado nenhum.
Vive-se, em relação aos idosos, a mentira constante de armazenar para depois da morte, aquilo que deveria ter sido prezado em vida. A falsidade da dor e das lágrimas na hora da morte, quando em vida o tempo apagou o respeito, o afecto e o carinho.
A sociedade será sempre e inevitavelmente pobre se não criar uma consciência individual e colectiva para minimizar uma dívida impagável para com aqueles que detêm a maior riqueza que é a experiência da vida.
Post-its e Retratos
Ancestralidade.
Chegada a esta época do ano, há sempre (infelizmente, na maioria dos casos, apenas em momentos pontuais) questões sociais que nos assolam os sentimentos. Que nos inquietam de forma mais evidente.
São dados estatísticos públicos que Portugal se está a tornar num dos países mais envelhecidos da Europa, prevendo-se que, em 2050, cerca de 30% da população (quase um terço) tenha mais que 65 anos (actual idade da reforma). Esta é uma situação que provoca algumas alterações na sociedade e na própria forma de encarar a vida.
Segundo outros dados divulgados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, no ano de 2005 a APAV recebeu 347 casos de idosos vítimas de violência física e psíquica. Obviamente que este número peca por defeito, pelo facto de muitos dos idosos não revelarem ou denunciarem as situações em que estão envolvidos, por receio, desconhecimento e, até mesmo, por vergonha.
Esta é uma realidade que necessita verdadeiramente de uma reforma. Reforma de comportamentos, responsabilidades e acções socio-políticas.
Até há alguns anos a esta parte, a violência familiar resumia-se, quase que exclusivamente, às mulheres e às crianças. Hoje, fruto das alterações sociais, económicas e culturais que envolvem o conceito de família na actualidade, transformaram os papéis familiares. A ancestralidade, a figura da avó e do avô tornou-se excedentária e pontualmente requerida.
Como disse uma vez numa entrevista o actor Ruy de Carvalho, “na vida só se tem uma certeza, que é a morte”.
Um idoso, ao fim de uma vida cheia de tudo, já dispensa muita coisa. Mas não dispensará nunca a afectividade, o carinho e o respeito, em jeito de recompensa pelo trabalho, dedicação e sacrifícios que realizou ao longo dos anos.
Na sociedade de hoje, por inúmeros factores, os lares, centros de dia e o apoio domiciliário, são uma necessidade.
Independentemente do carácter social das instituições e do incansável e incalculável auxílio dos profissionais e voluntários, nada substitui a família. O reconhecimento, afecto, carinho e respeito por aqueles que venceram todas as dificuldades e superaram os sonhos de criar uma família, nunca deveria prescrever.
No entanto, o casos de abandono, burlas, maus tratos, miséria e esquecimento são cada vez mais uma realidade triste de uma sociedade que não sabe valorizar a experiência da vida.
Uma sociedade e família que já não conseguem reconhecer e praticar uma concreta solidariedade e afectividade para com os idosos.
Ao contrário das culturas e realidades sociais orientais (pelo menos da sua maioria), os idosos hoje, em Portugal, tornaram-se um excedente. Quer do ponto de vista social, económico e familiar.
Não produzem, não são reconhecidos como alvos comerciais preferenciais, perderam o seu lugar de referência na família. São portanto, um peso, um fardo, uma inutilidade.
Deixaram de ser uma parte importante e valiosa do saber adquirido e da experiência da vida.
O que temos hoje é, logicamente, fruto do trabalho, da dedicação e da emotividade dos que nos precederam. Nada apareceu por acaso ou vindo de lado nenhum.
Vive-se, em relação aos idosos, a mentira constante de armazenar para depois da morte, aquilo que deveria ter sido prezado em vida. A falsidade da dor e das lágrimas na hora da morte, quando em vida o tempo apagou o respeito, o afecto e o carinho.
A sociedade será sempre e inevitavelmente pobre se não criar uma consciência individual e colectiva para minimizar uma dívida impagável para com aqueles que detêm a maior riqueza que é a experiência da vida.
8 comentários:
Olá Miguel,
Não sei porquê, mas cada vez o imagino menos de direita, este seu texto é de uma humanidade e sensibilidade, que me tocaram profundamente.
Desculpe mas eu não estou nada habituado a ver gente deste quadrante com as suas qualidades humanas.
Bom fim de semana e um abraço.
Viva Meu Caro Arauto
É, de facto, como o meu caro afirma.
É um texto humanista, porque esse é verdadeiramente o meu espírito.
E é, por isso mesmo, que eu sou de direita.
Esse dogmatismo de que as causas sociais pertencem tão somente à esquerda, não é por mim defendido.
As causas sociais têm a haver com a solidariedade, a participação cívica e o respeito.
E isto são valores. Não são ideologias (embora perfeitamente acopoláveis).
E obrigado pelo elogio.
Um abraço
Gostei muito do seu texto Miguel, e ainda mais da sua defesa!
Um abraço
Olá, bom noite Miguel!
Gostei muito deste seu texto em que foca um dos maiores problemas sociais com que nos deparamos nos dias de hoje.
Quando se fala em pobreza, fala-se no geral. Raramente são referidos os idosos, que passam fome, não têm dinheiro para adquirir medicamentos, sofrem de violência física e psíquica (quer pelos familiares, quer pelas instituições para onde são despejados como um inútil objecto) e, principalmente, sofrem de muita SOLIDÃO.
Os idosos, como muito bem diz, estão a aumentar.
Os familiares têm obrigação de cuidar deles mas os nossos governantes também. E isso, não está a ser devidamente acautelado e controlado.
Fico com muita pena, Miguel. Fico com pena de ver muitas instituições (e algumas IPSS´s) a pensarem apenas e só na obtenção de lucros à custa destes idosos.
A solidão dos nossos velhinhos e o esquecimento (quase desprezo) a que estão votados, deveria ser uma das nossas maiores preocupações.
Eles têm tanto para nos dar. Para nos ensinar. E são tão agradecidos por tudo o que fazemos em seu proveito!
Talvez por isso, já alguém se tenha referido a si como uma pessoa humanista, mesmo pensando que tem ideais políticos de direita (eu também penso que se aproxima mais da esquerda).
Sabe em que zonas do País os nossos idosos são tratados com mais dignidade? Sabe qual o partido político que mais se preocupa com os problemas sociais e tudo faz para os sanar ou atenuar?
Pois é. Eu nunca fiz nem faço parte do PCP, partido para mim com imensos defeitos. Mas acontece que nas áreas geográficas onde esse partido político é poder (Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais), as questões relacionadas com as crianças e os idosos são efectivamente a sua prioridade. E os resultados estão à vista de todos os que quiserem ver.
Tenha um bom fim-de-semana.
Cumprimentos para si.
Obrigado Susana.
Cumprimentos
Caro Anónimo
Seja bem vindo, sendo que obviamente seria preferível a sua visita "com rosto".
Não descordo quando refere que o Estado/governo e IPSS's têm a sua responsabilidade na causa social, porque daí advém a qualidade de vida, estabilidade e desenvolvimento do País.
No entanto, independentemente dos infelizes casos que, muitas vezes diariamente, nos são descritos (normalmente pelos media), não me parece que as IPSS's tenham de ser descritas como "esponjas" económicas.
Porque se as há, igualmente vagueiam no universo do social, os lares privados que apenas visam o lucro.
Infelizmente, seja nos idosos, como igualmente nas crianças, o ser humano transformou-se num numerário mais ou menos apetecível, mais ou menos rentável.
Quanto à questão ideológica, refiro pela eunésima vez (independentemente da vontade de alguns ilustres visitantes de me "darem a volta"), que, embora já afastado dos meus tempos de militância, a minha convicção política continue ligada aos princípios fundadores do cds e da democracia cristã.
E não concordo, obviamente respeitando a sua agradável opinião, que a questão social seja uma exclusiva preocupação ideológica da esquerda. Preocupação aliás, muitas vezes mais associada à demagogia política do que propriamente à causa social.
As zonas do País onde os idosos são mais mal tratados, tenho, hoje em dia, alguma dificuldade em as apontar, até porque entendo que a problemática se generalizou a todo o território. Longe vão os tempos em que os meios mais rurais e interiores registavam menos casos, contrapondo com a exigência stressante dos meios mais litorais e urbanos.
O que sei, até pelo contributo de quem conheço ligado pela experiência profissional, por exemplo ao apoio domiciliário, é que o Concelho de Aveiro, por maior que seja, hoje, o nosso desenvolvimento regional, contempla um número considerável de casos de abandono, desprezo, maus tratos, etc., aos nossos idosos.
E esta é que é e realidade que me preocupa.
Obrigado e volte sempre que quiser.
Bom dia Miguel,
É só para o informar que ao deixar o meu modesto comentário, o fiz utilizando o meu pseudónimo, que ficou bem legível.
Não sei o que se passou (penso que devido a alguma alteração temporária do programa) para o mesmo ter desaparecido, aparecendo posteriormente como anónimo.
Sobre a sua pronta resposta, sempre lhe digo que sobre este tema me sinto à vontade para o discutir pois convivo com ele frequentemente (quase de norte a sul).
Quando me referi às IPSS´s, foi apenas por essas instituições usufruirem de algumas benesses e terem a obrigação de olhar mais para os que mais precisam. E, salvo algumas excepções, não é isso que acontece, quer com idosos quer com crianças. Os que mais podem (pagam mais), são os que os primeiros a ocupar as vagas.
Sobre os locais onde os velhinhos e as crianças usufruem de mais protecção, nada tem a ver com o interior ou litoral. Tem a ver com políticas sociais também locais e nessas, pode crer, as do PCP estão muito à frente de qualquer outro.
Um bom Domingo.
Cumprimentos.
Pé de Salsa
(Parece que hoje só mesmo como anónimo)
Olá Caro Miguel,
Infelizmente a crescente desumanização faz com que velho seja mesmo trapo e como se vai dizendo por aí, velho é no velhão.
Mas a responsabilidade de tudo isto não é dos governos. É nossa que o permitimos.
Um abraço.
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