Publicado na edição de hoje, 01.02.2012, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
TotoImpunidade...
Não é meu hábito usar este espaço para me referir ao futebol, mas o tema a abordar voltou a ser notícia no final da passada semana com a “máquina fiscal” a exigir aos clubes de futebol, através da Federação Portuguesa de Futebol, o pagamento de um valor em dívida por não cumprimento de obrigações fiscais dos clubes profissionais na ordem dos 13 milhões de euros.
Por volta de Março de 1998 o Governo, na altura liderado por António Guterres, e os Clubes de Futebol Profissional, a Liga de Clubes, a Federação Portuguesa de Futebol, acertaram um conjunto de medidas que sustentariam um protocolo, ao abrigo do tão recorrido “Plano Mateus”, que viria a ser assinado com vista a permitir que os clubes de futebol pudessem cumprir com as suas obrigações ficais, que, à data, eram já consideráveis e de difícil solução.
De forma muito breve, simplicista e linear, a história do processo conta-se em breves notas: os clubes de futebol, durante o período compreendido entre 1985 e 1995 (anos de governação de Cavaco Silva como primeiro-Ministro) contraíram uma dívida fiscal no valor de cerca de 50 milhões de euros; em Maio/Junho de 1996, já com a governação de António Guterres, falhou na Assembleia da República uma primeira tentativa para a cobrança desse valor e que previa a retenção das receitas geradas pelo Totobola; no início de 1999 seria acordado entre Governo e Clubes o pagamento das dívidas através das receitas do Totobola até há dois anos atrás, 2010; as previsões das receitas do Totobola situavam-se entre os 41 e os 65 milhões de euros, com a estimativa média de cerca de 54 milhões de euros; havia ainda o compromisso de os clubes não gerarem mais dívidas fiscais; em 1998, o valor da dívida ao fisco era apurado e cifrava-se perto dos 58 milhões (pelo que havia um diferencial de pouco mais de dois milhões que deveriam ser liquidados em prestações fora do processo); até 2000 o valor da dívida subiria mais 10 milhões de euros, sendo a dívida solicitada no final de 2004, pelo ministro das Finanças Bagão Félix, no valor de cerca de 19 milhões de euros; desde esta data têm sido inúmeros os processos judiciais para liquidação do incumprimento fiscal. Em 2009, o Tribunal Constitucional (último degrau possível para recurso) decidiu não haver qualquer inconstitucionalidade nas decisões anteriores que determinaram a responsabilização dos clubes e a sua não isenção.
O que está então em causa? Acima de tudo a presunção de alguns, principalmente de dirigentes, de que o futebol é um “mundo à parte” tendo como argumento a movimentação de “massas”, de que podem estar acima das responsabilidades sociais que têm, de que os compromissos assumidos são da responsabilidade dos outros, que tudo lhes é permitido porque entendem que está em causa toda uma estrutura, um meio muito poderoso, carregado de lobbys e de teias de interesses capazes de gerir o mundo. Mas não é.
É altura de colocar o futebol e os clubes no seu lugar próprio, dentro da estrutura social, política e económica em que se inserem, ao serviço dos cidadãos e do espectáculo, capazes de gerar receitas, mas que, como qualquer empresa ou negócio, têm despesas e responsabilidades fiscais porque também usufruem de diversos mecanismos de apoio do Estado. Um meio que não tem o direito de ter uma justiça própria e de estar acima das leis que qualquer empresa ou cidadão têm o dever de cumprir. E não interessa a conjuntura em que vivemos (quanto muito sublinha e reforça a argumentação). O futebol tem de saber gastar menos, pagar menos, ter os pés bem assentes na terra… pela sua sobrevivência. Se o futebol quer viver num universo de despesismo, de riqueza desmedida, acima de qualquer realidade social e económica, também tem de saber assumir os seus compromissos e responsabilidades.
Não pode haver cumpridores e não cumpridores. Não pode haver, como diz a sabedoria popular, “filhos e enteados”. As regras são para todos e para todos cumprirem. Quem não tem cão, caça com gato.
Quem não pode, não consegue, não sabe ou não quer suportar as responsabilidades e os riscos, como muitas empresas e cidadãos, infelizmente, fecha a porta… porque eu também pago o que me é devido. Sem excepção, nem isenção.
(nota: texto republicado, com ligeiras alterações, da edição on-line do Jornal Record no dia 29.01.2012)
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