“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

08 fevereiro 2012

Carnaval da pieguice...

Publicado na edição de hoje, 8.02.2012, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Carnaval da pieguice...


O Governo anunciou, no início desta semana, não conceder à Função Pública tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval, dia 21 de Fevereiro.
Importa uma primeira declaração de princípio: não gosto, nem mesmo em criança fui grande apreciador, do Carnaval.
Importa, igualmente, referir que, de facto, o Carnaval não é feriado e que a tolerância de ponto não é um direito, é uma concessão do governo. Como tal, passível de ser concedida ou não. Mas não é essa questão que é colocada em causa com o anúncio de Passos Coelho. É a sua argumentação e fundamentação que, por si só, representam um dos maiores tiros no pé deste governo.
É duvidoso e questionável que a diminuição de quatro feriados no calendário “laboral” promova uma maior produtividade nacional, já que dois dos feriados a eliminar, nesta altura de crise, coincidem, este ano de 2012, com fins-de-semana (casos do dia 1 e 8 de Dezembro). Além disso, uma das sustentações para a abolição de alguns feriados respeita ao “combate” ao número de pontes. Acontece que essa argumentação é completamente descabida de sentido já que a quase totalidade de pontes significa a diminuição (por compensação) do número de dias de férias a gozar pelo trabalhador, pelo que não tem qualquer impacto na produtividade. Assemelha-se ao impacto que o Pastel de Nata tem no desenvolvimento da economia nacional.
Em sede de Concertação Social foi acordado a diminuição do número de dias de férias e de uma criação de bolsa de horas. Para além da redução do número de feriados, não se percebe o que um dia de tolerância como o Carnaval trará de prejudicial para o país. É que, com esta medida, o que o Governo coloca em causa é apenas a produtividade da função pública, sendo que esta representa um “gota de água” no PIB nacional. É sabido que o privado, na sua maioria, vai continuar a conceder o gozo do dia de Carnaval, bem como, em muitos casos, o gozo da segunda-feira.
O que o Governo está a provocar com esta medida é uma produtividade questionável naquele dia (sendo quase certo que a maioria dos funcionários vai transformar esse dia num autêntico “recreio carnavalesco”, tal como aconteceu na década de noventa durante a governação de Cavaco Silva), mas acima de tudo Pedro Passos Coelho está a esquecer completamente e a demonstrar uma perfeita falta de respeito para com o volume de negócio e investimento que acontece, um pouco de Norte a Sul, nesses dias (o que nalguns casos mais emblemáticos corresponde a bastante dinheiro).
Há ainda o argumento patético e ridículo de que não devemos viver agarrados às tradições. Que não se deva viver com a “sombra” do passado ainda dá ara perceber… que se ignorem as tradições é o mesmo que renegar o passado. Mas mesmo que a fundamentação usada pelo primeiro-Ministro tivesse algum sentido, então seria lógico que se acabasse com o Natal, a Páscoa, o 25 de Abril e o 1º de Maio… por uma questão de coerência, que é algo que este governo parece começar a perder.
Mas o mais grave nesta questão foi a forma incrivelmente arrogante, desrespeitadora e insultuosa com que Passos Coelho adjectivou os portugueses, apelidando-os de “piegas”. Ao pé deste argumento a questão da reforma do Presidente da república não passa de uma distracção.
É que para um povo que sofre o conjunto de medidas e políticas de austeridade que estão a ser aplicadas (aumento da carga fiscal, diminuição dos apoios sociais e das deduções ficais, aumento do custo de vida e dos preços dos bens, diminuição dos salários e reformas, eliminação dos 13º e 14º meses salariais, diminuição dos tempos de descanso e aumento da carga laboral, entre outros), que entre a contestação de uns e a percepção das dificuldades que o país atravessa por parte de outros, nada melhor que ser-se apelidado de “piegas”.
Com esta atitude, Pedro Passos Coelho traçou o seu perfil como primeiro-Ministro (por ventura algo escondido): uma clara insensibilidade social, uma evidente falta de respeito pelos cidadãos, uma profunda ausência de estratégia abrangente e estrutural… uma governação ao sabor do vento e de medidas avulsas com impactos económicos e sociais questionáveis e dúbios.
E para além disso, Pedro Passos Coelho revelou (para muitos, finalmente) o seu móbil político: a obsessão pelo poder. Já que o líder do PSD esqueceu, por completo, os que o elegeram.
Percebe-se igualmente o significado da sua também recente expressão: o compromisso assumido com a Troika não é renegociável, nem será solicitada mais ajuda externa… “custe o que custar”. Sendo certo que custa, e muito, sempre aos mesmos. Aos “piegas” portugueses!

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