Na última década, a procura justiceira por garantir uma determinada liberdade em vários pontos do planeta foi, essencialmente, marcada pelo envolvimento de parte da comunidade internacional e da ONU numa relação de forças com a Al Qaeda (Bin Laden) e Iraque (Sadam).
Para além disso, mantém-se historicamente a relação de forças e o conflito latente entre Israel e Palestina, sem resolução previsível.
Mais recentemente, esta cruzada pela libertação dos povos da tirania terminou com o caso Líbia e com a captura e morte de Muammar Kadhafi (embora seja de prever que, apesar dos acontecimento e do júbilo, muita instabilidade e conflitualidade ainda está para surgir na Líbia pós-Kadhafi).
O mais curioso neste processo de libertação da humanidade é a hipocrisia e os interesses escondidos, e a ingerência selectiva na história de alguns países, sempre com a bandeira justiceira hasteada com o símbolo da ONU, da NATO, por influência directa das últimas e actual Administrações Americanas.
Primeiro, o sentimento de vingança pelos atentados 11 de Setembro (compreensível mesmo que questionável, já que se sabe que violência gera violência), com a declaração de guerra ao inimigo público nº1 dos americanos (extensível aos espanhóis e ingleses, após os respectivos atentados da Al Qaeda).
Segundo, a falhada argumentação das armas de destruição "escondidas" em território iraquiano e a sustentação de que o regime de Sadam era a fonte e o apoio directo à Al Qaeda justificaram a invasão do território, a imposição de novas forças governativas.
Terceiro, a importância geoestratégica e geopolítica que Israel tem para os Estados Unidos na correlação de forças e presença na região é inquestionável. Daí o adiar permanente da resolução do conflito, que tem mais de político do que histórico, com a Palestina.
Quarto. Por último, após várias agitações sociais na região - a Primavera Árabe - que começaram na Tunísia no final de 2010 e início de 2011, e passaram por Marrocos, Egipto, Síria, entre outros, terminando, esta semana, na Líbia com a morte de Kadhafi. Não deixa de ser um facto relevante a determinação do povo em se libertar de décadas de opressão, perseguição, mortes, ausência de liberdade e democracia. Os povos sentiram espaço social, público e político, e aproveitaram a oportunidade para exprimirem o seus gritos do "Ipiranga".
Mas há, inquestionavelmente, uma clara hipocrisia na fundamentação de toda esta cruzada pela libertação dos "oprimidos". Ou por razões políticas, ou por razões geoestratégicas, ou, acima de tudo, por razões económicas, principalmente relacionadas com o petróleo.
Porque não actuam a ONU, a NATO ou os Estados Unidos, na Coreia do Norte ou em muitos recônditos da Ásia (como foi, por exemplo o caso da Indonésia vs Timor)? Porque, ao fim de tantos e tantos anos, África continua a ser esquecida, abandonada e ignorada?
No caso da Líbia, tal realidade é gritante. Kadahfi serviu, em pleno regime ditatorial e de terror, diversos interesses europeus (desde a França a Portugal) e internacionais. Independentemente da situação interna do país, todos os olhares internacionais se fechavam face aos interesses económicos. Quando esse ficaram postos em causa, o "amigo" controverso passou de cerca de 40 anos para, em seis meses, um dos ditadores mais cruéis da história da humanidade. Tal como o interesse na "democratização" do Iraque.
E mais hipócrita se torna esta ingerência nos processos sociais de alguns países que o "day after" se torna tão convulsivo como o processo de "libertação". Veja-se o caso da Tunísia que vai hoje a votos mas onde a desilusão impera, com a intenção de grande parte dos jovens que deram início à revolta popular nem sequer participarem no processo eleitoral face à crise económica, ao desemprego e ás dúvidas quanto ao futuro político do país.
Provavelmente, a "Primavera Árabe" necessitará ainda de um Verão ou Outono para se consolidar.
Espera-se que de forma mais pacífica e livre de interesses obscuros.
Nota final: independentemente do que tenha sido o "reinado" déspota de Muammar Kadhafi, o resultado final, a forma como lidaram com a captura do ditador mancha, e de sobremaneira, todo o esforço para libertar a Líbia. A execução sumária e bárbara do ex-líder líbio não é, em nada, diferente das execuções sumárias do regime. Não foi um acto de combate, de confronto, foi um acto desprezível e de pura vingança. A lei abominável do "olho por olho, dente por dente".
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