“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

01 abril 2010

Renovar! Ressuscitar!

Publicado na edição de hoje, 1 de Abril, do Diário de Aveiro.

Cheira a Maresia!
Renovar! Ressuscitar!

Não é fácil abordar, de forma racional, um tema como o da pedofilia.
Primeiro como pai, depois como ser humano e por fim por não conseguir entender as razões de tal acto e os verdadeiros e reais impactos nas vítimas.
Como católico acrescem as dificuldades e tornam-se, verdadeiramente, incompreensíveis todos estes escândalos que, por mais que seja tentado clarificar, abalam a Igreja transformando esta triste e complexa realidade na mais grave crise de que a memória regista no último século.
E não basta “assobiar para o lado” esperando que a indiferença e o tempo apaguem os factos. O tempo não apagou durante largos anos até aos dias de hoje… apenas escondeu.
Não basta “esconder a cabeça na areia” porque não se tratam de casos esporádicos, nem passados… são realidade grave, preocupante e actual.
Não basta reagir pela negativa e “à defesa” (ou contrapondo com a imagem de vitimização) … o problema não é externo (ou não só externo), está patente e latente no seio da própria Igreja.
E muito menos basta pedir “perdão”, criticar, acusar… é preciso ser-se exemplo: condenar e solucionar!
Aliás, parece-me subsistir neste ponto a explicação para esta crise. Faz lembrar uma garrafa de espumante que, após forte agitação, é retirada a rolha: a pressão e o gás fazem o resto. A pressão, o abafar, o não actuar com coerência, vigor e clareza fez soltar a rolha ao primeiro caso despontado.
E é urgente que a Igreja reflicta, actue e se renove… porque, apesar de muitos os casos (Irlanda, América, América Central, Alemanha) a parte não pode afectar e representar o todo. Mas também não pode servir de desculpa para uma inércia inaceitável, principalmente o questionável argumento de que a pedofilia é transversal a toda a sociedade (famílias, instituições, etc.). Porque é precisamente por essa transversalidade que importa servir de exemplo, ser coerente, agir internamente, enfrentar com vigor e rigor para permitir a legitimidade de acusar e criticar todos os abusos cruéis na sociedade.
A inércia no combate destas realidades que enfraquecem uma Igreja que também é feita de Homens, só serviu para acumular factualidades e debilidades. O medo da abertura à sociedade e à opinião pública é que foi esvaziando a Igreja e afastando os crentes da sua vivência necessária.
Não se trata de “lavar roupa suja em público”, como referem várias vozes episcopais. Trata-se de resolver uma grave crise de forma clara, transparente e exemplar. Em vez de se criarem anti-corpos, promoverem-se sinais de unidade edificantes.
É importante agir e repensar o actual distanciamento que a Igreja vive em relação à sociedade e aos “tempos de hoje” que em nada favorece a consolidação e o crescimento da própria Igreja. Seja através do debate em torno do celibato imposto ou voluntário, do papel das mulheres na sua estrutura, da importância dos leigos, da relação com a política, com a educação, com a família e com a sexualidade, entre outros.
Pedir perdão sem mudar e sem agir, nem serve de consolo às crianças e vítimas de tão abomináveis crimes, ao longo de tempos e tempos.
Poderá nascer, destas cinzas, uma excelente oportunidade para que a Igreja se repense, se renove e ressuscite… tal como acontecerá Domingo para aqueles que celebram a Páscoa da Ressurreição de Cristo.

2 comentários:

Alírio Camposana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alírio Camposana disse...

Muito bom artigo.

De facto, a Igreja católica vive algum afastamento do "mundo real" situação que a leva, por exemplo, a encarar de modo defeituoso os aspectos mais humanos da própria vida.

Por vezes, até parece que se esquece que Jesus foi homem e, como tal, viveu exactamente todos os conflitos internos e "imperfeições" que todos nós vivemos.

Por vezes penso que a Igreja, de um modo genérico, vive numa espécie de carapaça embalsamadora que lhe confere uma auto-noção de preservação milenar. Essa é a noção com se fica ao visitar, por exemplo o Vaticano.

Não convém esquecer que, de algum modo, a Igreja Católica Apostólica Romana é, precisamente, a herdeira do Império Romano possuindo, portanto, sistemas organizacionais e estruturais perfeitamente desadequados aos tempos do século XXI.

Um abraço