“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

05 março 2009

Bairrismo?! Porque não?!

Publicado na edição de hoje (5.03.09) do Diário de Aveiro.

Sais Minerais
Bairrismo?! Porque não?!

A propósito da minha crónica da passada semana (Parque da Sustentabilidade) e da referência que fiz à importância do envolvimento da Junta de Freguesia da Glória, como o espelho das vontades e necessidades dos cidadãos, recebi um e-mail de uma ilustre pessoa que muito prezo e considero.
Na referida mensagem (que, por respeito, permanece pessoal) era descrito que os projectos, sejam eles quais forem, valem pela sua importância e relevo, muito para além de qualquer bairrismo.
Não querendo, de forma alguma, entrar em conflitualidade factual de conceitos, também a mim me parece lógico que os projectos valem por si só, desde que integrados e interligados com as sociedades, comunidades ou os indivíduos.
E neste campo, é que o meu conceito se altera.
Por essa mesma integração social e humana ter especial relevância para o sucesso e eficácia de um projecto (ao ponto de lhe poder conferir um determinado carácter de prioridade), é que entendo que é importante o bairrismo, sem complexos.
Até porque o próprio “bairrismo” deixou, infelizmente, de fazer parte das comunidades, das emoções pessoais, das vivências colectivas. Muito por força dos processos globalizantes (económicos, culturais, tecnológicos, políticos e sociais) que exercem uma força aniquiladora das identidades sociais (sejam elas dos vários vectores: culturais, históricas, etc.) das comunidades de hoje.
É certo que a dimensão geográfica do conceito de comunidade se tem vindo a alargar, a interligar e a intermunicipalizar.
Mas esta necessidade vital para o desenvolvimento das regiões, e consequentemente das localidades, não pode esvaziar princípios fundamentais como a identidade própria das vivências sociais, culturais e históricas dos cidadãos enquanto comunidades simples e circunscritas.
E esta realidade, infelizmente, tem sido vivida de forma muito rápida e firme nos dias de hoje.
As cidades perderam o seu sentido de Bairro, porque não foram capazes de manter viva uma continuidade histórica, cultural e social. Sendo verdade que ninguém (individual ou colectivo) consegue sobreviver isoladamente, também não deixa de ser um facto que a abertura a meios distintos pode causar asfixias.
A título de exemplo, entre muitos outros que se poderiam enumerar, sem necessidade de nos afastarmos cronologicamente, ainda há pouco tempo (25 - 30 anos) se promoviam, na cidade de Aveiro (pelo antigo INDESP) jogos de futebol de rua entre Bairros.
Ainda há pouco tempo, os bairros desta cidade eram palco de manifestações sociais, culturais, de lazer, de relacionamento humano.
Hoje, por força da perda do sentido de Bairrismo e da defesa de um “espaço público” cultural e socialmente muito próprio e próximo das pessoas, da ausência de vivência comunitária e de sensações colectivas, a cidade perdeu identidade(s) e significados culturais e históricos.
As pessoas isolaram-se, desinteressaram-se, tornaram-se excessivamente pacíficas e indiferentes ao que as rodeia, a quem as rodeia… veja-se o que se passa em muitos dos prédios da cidade: entre poucos andares, ninguém conhece ninguém!
Da mesma forma, se transporta estes tristes factos para uma dimensão mais alargada.
Aveiro, há alguns anos atrás, perdeu o seu peso político, a sua centralidade, o aproveitamento das suas potencialidades. Viu esvaziar (por exemplo, para Coimbra) a sua capacidade de convergir e interligar as capacidades de uma Região rica.
Porque deixámos de ser, num sentido positivo e positivista (funcionalista, do ponto de vista sociológico) Bairristas.
Ao sabor da pena…

1 comentário:

Unknown disse...

Caro Araújo. Excelente sua crônica titulada de "Bairrismo: Porque não?". Minha identificação com o processo de globalização em Aveiro e com suas idéias foi imediata. Sou brasileiro, natural e residente no estado do Rio Grande do Sul, região pertencente à Coroa Espanhola até o século XVIII. Minha família veio de Portugal em 1688 para ocupação de território e criou suas raízes aqui. É o estado brasileiro considerado o mais bairrista, e muito criticado pelos demais. Porém, bem como escrevestes, não deixamos esvaziar nossos princípios fundamentais, identidade própria e continuidade histórica, cultural e social. Os frutos desta proteção da identidade gerou um povo unido culturalmente, que não sofre com o popularmente intitulado "instinto de inferioridade" de boa parte dos latinoamericanos, apenas nos deu fama de arrogantes e separatistas. Apesar de ser um estado em constante processo de globalização, esta renovação não gerou asfixias nem anacronismos culturais, como de utilizar o estilo cowboy estadunidense como o principal elemento cultural, muito comum no interior do Brasil, mas sim uma nova postura diante do cenário supra-regional. Por ser eterna oposição no Brasil (país com uma União extremamente centralizadora) perdemos um pouco de nosso peso político, bem como as pessoas também isolaram-se, desinteresaram-se e tornaram-se excessivamente pacíficas ao que as rodeia, mas ainda assim, vale a pena. Bairrismo consciente é o maior patrimônio cultural de um povo, gerando afinidade e comprometimento com a região de origem.