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01 novembro 2008

Efeito Magalhães!

Publicado na edição de quinta-feira, dia 30 de Outubro, do Diário de Aveiro.

Sais Minerais
Efeito Magalhães!


É tema de conversa, essencialmente familiar, educativa e pedagógica, mas também social, cultural e política, este recente impulso tecnológico promovido pelo Governo e implementado, particularmente, no universo escolar. Refiro-me ao computador “Magalhães”.
Retirando o facto curioso de, historicamente, o navegador Fernão Magalhães se ter “vendido” à vizinha Espanha e colocando de parte questões meramente tecnológicas (como o desempenho informático do equipamento), convém centrarmo-nos em dois ou três aspectos mais relevantes.
1. Negócio das “Índias”
Ainda estará para chegar o dia em que algo me convença que uma empresa privada, com objectivos de lucro bem delineados (o que não é mal nenhum), tenha, concretamente em tempos de crise, rasgos de humanismo, de caridade ou de socialização, desinteressados.
Só de forma ingénua é que se poderá acreditar que, neste tipo de “protocolos” ou “colaborações”, haja empate. O normal é que haja quem ganhe e quem perca (ou ganhe menos).
Mas mais importante que esse facto, é a obsessão desmedida por um plano tecnológico desgarrado de uma realidade social e estrutura preocupante. Cerca de 500.000 computadores distribuídos pelas escolas do 1º ciclo do ensino básico, de forma gratuita ou com um custo máximo de 50€, trarão encargos acrescidos para o orçamento público. Confrontando com a realidade de inúmeras escolas sem condições, sem cantinas, com dificuldades no apoio social escolar, com a transferência das responsabilidades sociais e educativas do Estado para as Autarquias, é, no mínimo, uma prioridade governativa preocupantemente contestável.
2. Pedagogias
Não tenho qualquer relutância em relação ao uso da informática como ferramenta pedagógica complementar. Mas já tenho dúvidas que a estrutura escolar actual tenha capacidade de sustentar, sem as devidas reformas, a “intromissão” de elementos externos ao existente processo educativo.
Até que ponto é benéfico o recurso a ferramentas informáticas para a aprendizagem da escrita? Até que ponto é benéfico o uso da tecnologia para o desenvolvimento do cálculo e do raciocínio? Até que ponto os professores, já por si sós a viverem momentos apocalípticos, estão preparados para, juntamente com os seus alunos, substituírem o caderno e o lápis pelo teclado.
3. Entre a espada e a parede
Cabe aos Pais e Encarregados de Educação o direito (e o dever) de opção, tendo como princípio fundamental, o bem-estar e o desenvolvimento dos seus filhos ou educandos.
Sendo certo que vivemos, hoje, um verdadeiro ciclo tecnológico e informativo, não será menos verdade que tal realidade transporta um inevitável confronto de valores e princípio entre a família e a sociedade (seja em que idade for).
O aliciante de potenciar nos mais jovens a descoberta das tecnologias, de nova formas de aprendizagem e desenvolvimento, não deve permitir o descuido de uma formação individual equilibrada e consistente.
Tomando como referência a visão da realidade social actual do sociólogo espanhol Manuel Castels, um dos maiores riscos (em qualquer idade) é o denominado processo de infoexclusão na Sociedade em Rede dos nossos dias. Mas não deixam de ser preocupantes os riscos que tal realidade comporta, nomeadamente, na ausência do controle dos excessos.
Como exemplo, a Internet, em si mesma, nada de perigoso compreende. Antes pelo contrário.
Mas o uso que dela fazemos ou a forma como a ela recorremos, já pode ser preocupante e problemática. Aí reside o sucesso ou o fracasso do nosso envolvimento socio-tecnológico.
Além disso, no caso do Magalhães e face às inúmeras pressões propagandísticas levadas a cabo, há ainda a considerar todo um conflito dos valores e formação familiar com o processo de socialização escolar das crianças (para além do referido risco, mesmo nos mais novos, da infoexclusão). Como gerir uma conflitualidade como a descrita na reportagem da RPT aquando da distribuição dos primeiros Magalhães numa escola: num total de 192 crianças, apenas uma não se viu “premiada” com o seu primeiro portátil, por opção, legítima, dos seus pais. Como é que irá, social e psicologicamente, reagir?!
É o mesmo que, sendo-lhe vedado o embarque, apesar das razões válidas, ver partir a nau do Sr. Magalhães, rumo ao estreito sul-americano, cheia de crianças e ficar sozinha em terra.
É legítima esta assimetria social e educativa potenciada pelo governo na formação escolar inicial? Tenho dúvidas…

Ao sabor da pena… (num teclado não ‘Magalhães’, mas, por mero acaso, ‘Toshiba’)

1 comentário:

Rogério Carvalho disse...

Não sei se esse "Magalhães" vai contribuir muito para a formação das crianças. Pessoalmente não gosto da ideia e nem sequer quero entrar pela vertente económica ou custo financeiros da política governativa.

Já agora para aumentar as potencialidades de destruir ainda mais o futuro do nosso país, as crianças e jovens, porque não mais uns acessórios, por exemplo o telemóvel (de) "Gama" para homenagear Vasco da Gama, outro navegador para colocar as crianças em orbita, ou rota de navegação.

Penso que os professores vão ter a derradeira missão de controlar maiores adversidades.

Mais escuso de dizer.
Abraço