“Debaixo dos Arcos” foi, e ainda é, o primeiro blogue não virtual de Aveiro. Espaço de encontro, “tertúlia” espontânea, “diz-que-disse”, fofoquice pegada, críticas e louvores, ..., é uma zona nobre da cidade, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontram e conversam sobre "tudo e nada": o centro do mundo...

14 junho 2007

A Turquia e a Europa

publicado na edição de hoje (14.06.07) do Diário de Aveiro.

Crónicas dos Arcos
A Leste tudo de novo.

Numa altura em que Portugal se prepara para assumir a presidência da União Europeia, independentemente dos objectivos já traçados pelo Primeiro-Ministro português, há dois desafios relevantes que se colocam: a fragilizada identidade comum europeia e os desafios geoestratégicos e geopolíticos a Leste.
O sucesso da presidência europeia e as implicações que poderá ter para as presidências seguintes passa muito pela forma como conseguir lidar com essas duas problemáticas.
A continuação da construção de uma Europa mais solidária, agrupada em valores, princípios e objectivos comuns, já mostrou num passado recente, com a recusa do Tratado, não ser uma tarefa fácil (independentemente dos apelos do Dr. Durão Barroso). A aceitação do actual modelo europeu começa a dar mostras de muita inquietação e descrédito nos cidadãos. Reflexo disso foram os resultados do último referendo à Constituição e sondagens recentes que revelam, por exemplo, que a maioria dos alemães preferia abandonar a zona Euro e regressar ao Marco Alemão.
A UE “vive” confrontada com o excessivo peso da economia alemã, com a demagogia política francesa e com a relevância geopolítica da Inglaterra. O resto é paisagem… ou se quisermos mesmo, “desertos à moda do sul do Tejo”.
Além disso, a Europa, demagógica e hipocritamente, defende princípios globalizados e tolerantes que, na realidade do dia-a-dia dos seus Estados membros, sabe que não os pratica. Para além da referida crise de identidade comum, existe uma inábil capacidade para lidar e interagir com o crescente confronto social, político e religioso com o mundo islâmico.
Num recente artigo publicado na revista Visão, o Dr. Pedro Jordão referia que é legítimo questionarmos se “a Turquia está preparada para a Europa”. No entanto, não deixa de ser igualmente relevante “inquirir se a União Europeia está preparada para a Turquia”. E isto porque os argumentos que levam a UE a colocar em cada conversação e diálogo com a Turquia, são inúmeros obstáculos que apenas significam uma forma camuflada de não ter a coragem para assumir a sua responsabilidade política. E acima de tudo, argumentações que escondem uma realidade intercultural que é hoje uma realidade social e cultural na Europa, porque a UE não sabe afirmar-se como “integradora”, apenas definindo-se como “assimiladora”, que são conceitos interculturais distintos e com resultados, políticos, económicos e sociais, bem diferenciados.
A União Europeia revela uma insensatez política ao esquecer (ou querer esquecer) que “alberga” hoje mais de 20 milhões de islâmicos, sendo este o grupo com maior crescimento demográfico previsto. E com isto não quero defender que é pacífico e despreocupante este “repovoamento” europeu e sua consequente interacção cultural. Provam-no os conflitos sociais e raciais em França, já para não falar das caricaturas da imprensa Dinamarquesa. Mais importante ainda, sabendo-se que hoje os conflitos ideológicos têm um rosto mais expressivo a que não estávamos habituados: o terrorismo. E sendo esta uma das armas de afirmação política, ideológica, cultural e religiosa recorrente no mundo islâmico (ou numa pequena percentagem que se traduzem em números reais cerca de 50 milhões de radicalistas e fundamentalistas, num universo estimado de 1.200 milhões) não convém a qualquer país ou região descorar esta realidade e combater a proliferação das células terroristas. Mas esta é uma realidade existente com ou sem integração europeia da Turquia. Até porque convém relembrar, que no caso dos incidentes de Madrid bastaram 4 pessoas para efectuar o atentado.
Por outro lado, a UE parece querer esconder outros factos políticos e históricos relevantes na problemática da adesão (infelizmente, cada vez mais virtual) da Turquia: este país é membro efectivo da NATO desde 1952, com a maior força armada dos países europeus (o que significa, em termos muito básicos, que, em situação de confronto bélico, eles “dão a vida” por nós ou, em situação inversa, nós teremos que “dar a nossa” por eles. Além disso, a Turquia é membro da Conselho da Europa há mais tempo que a Alemanha e a Espanha. Acresce ainda que, aquele Estado, aboliu a pena de morte primeiro que alguns estados da UE tão defensores dos direitos humanos e das liberdades.
A Europa comete o erro vital para a sua afirmação geopolítica na região e neste mundo cada vez mais uni-lateral (peso cada vez maior dos Estados Unidos), ao subestimar e travar a adesão a um país com um peso estratégico enorme no Médio Oriente e na Ásia Central, pelo seu património estratégico, histórico, cultural, político e, essencialmente, económico.
A Turquia é uma crescente potência regional numa zona estrategicamente vital do globo.
A Europa uma identidade perdida.

2 comentários:

João Castanheira disse...

Boas...

Parabéns pelo blog e pelo conteúdo criterioso e de estrutura activa...

Tudo de bom,
João Castanheira.

Migas (miguel araújo) disse...

Viva
Bem vindo a esta modesta casa, pluralista e democrática.
Já agora informo-o que, após ter dado uma vista de olhos pelo seu "canto", o mesmo tem direito a honras da coluna de visitas obrigatórias.
Cumprimentos