Publicado na edição do dia 28.06.07 (5ª feira) do Diário de Aveiro.
Crónicas dos Arcos
Cidadania incondicional.
Esta semana ficou marcada pela instauração de processos judiciais e acusações de difamação que envolvem a figura do Primeiro-Ministro e de um professor universitário, administrador do blog “Portugal Profundo”, António Balbino Caldeira. Tudo isto relacionado com a polémica, ainda por esclarecer satisfatoriamente, da licenciatura do Engenheiro José Sócrates.
Não é minha intenção referir-me aos processos em causa, nem muito menos voltar a revolver a licenciatura “mal explicada”. Porque é-me indiferente que Portugal tenha um Primeiro-Ministro engenheiro, doutor ou nem por isso. Sendo certo que já não me é indiferente a permissividade eventualmente existente entre o sector do ensino superior e a política. Por uma questão de justiça, equidade e transparência.
O que é, para mim, mais relevante neste recente “fait divers” é a questão que se prende com a liberdade de expressão, o exercício do direito à cidadania e o papel da blogoesfera na comunicação e na sociedade.
Porquê?! Porque sim… e porque a maioria dos cidadãos cada vez se alheia mais do seu papel cívico e interventivo e, igualmente, porque na globalização da comunicação e das relações sociais, culturais e políticas (seja a nível individual ou colectivo) a blogoesfera ganha uma dimensão que não pode ser subjugada.
Com o surgimento da Web e o desenvolvimento das novas tecnologias, esta interacção humana ganhou nova realidade, mais global, sem fronteiras e com uma nova realidade espaço-tempo e uma (re)construção social valiosa.
A noção de espaço público, por exemplo no conceito de Habermas, corresponde ao espaço (físico ou virtual) onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde se legitima o exercício do poder. É o espaço do debate e do uso público da argumentação crítica.
A óptica principal do conceito de construção social da realidade, é a de que a mesma é construída, dia a dia, pelas práticas individuais e sociais de cada um, o que conduz a uma permanente redefinição e renegociação das regras, normas, significados e símbolos sociais.
Neste sentido, a blogoesfera constitui um espaço de informação, de comentário e de opinião, de crítica e de análise da vida pública, de manifestação de criatividade e talento pessoal, de estruturação de redes e comunidades de conhecimento. Ela é a combinação de forças que tornam as pessoas parte efectiva das sociedades.
Os blogs envolvem a criação de novas formas de acção e interacção individuais ou colectivas e contribuem para a transformação da organização espacial e temporal da vida social.
Qualquer convulsão social ou acontecimento político ou cultural tem efeito imediato na blogosfera. Foi assim nos seus primórdios com a Guerra do Golfo, o 11 de Setembro, os atentados de Madrid, os processos eleitorais ou mais recentemente a polémica sobre a licenciatura de José Sócrates, o caso Madeleine e a censura à liberdade de expressão na piada “off-record” na DREN.
O século XXI será claramente o século da sociedade da informação e do conhecimento. De facto, já nos encontramos submersos nesta nova realidade social que tem um papel importante no desenvolvimento dos estados e na afirmação individual de cada cidadão.
Desta forma, a blogoesfera tem a capacidade e o poder de implicar e responsabilizar os cidadãos informados e conscientes dos problemas existentes na sociedade, na construção de sociedades mais criticas, onde todo o ser humano tem uma voz realmente activa, conduzindo a um mundo mais democratizado.
A blogoesfera é e será, por isso, o verdadeiro meio de comunicação e de inter-relações, sobre a qual se baseia a nova forma de sociedade em que vivemos, à qual Manuel Castells denominou de “Sociedade em Rede”.
Quais são os efeitos que a blogoesfera gera e que impacto produz na sociedade, seja ao nível individual, social, cultural e político e, até mesmo, histórico?!
Até que ponto a blogosfera consegue influenciar a opinião pública, cumprindo assim uma das motivações mais fortes que levam as pessoas a criar um blogue?
Para responder a esta questão, analisemos o conceito de esfera de visibilidade pública e do espaço público. Esta esfera é filtragem mediática daquilo que acontece na “esfera pública”, ou seja, no debate que ocorre na opinião pública.
Assim, a capacidade desta “esfera de visibilidade pública” influenciar a opinião pública e a sociedade está relacionada com a possibilidade do público poder intervir directamente na estruturação da sociedade, nos seus aspectos culturais, políticos, económicos, religiosos e, até mesmo, históricos.
Para isso, os cidadãos têm a oportunidade de usar uma alternativa participativa e crítica que lhes permita uma intervenção social, através da sua selecção pessoal de alguns acontecimentos; da interpretação desses acontecimentos; publicação da opinião sem qualquer tipo de limitações à liberdade de expressão e a criação de interacções individuais ou colectivas, através da possibilidade de se criarem redes de comentários. No fundo, a vontade de participar numa sociedade verdadeiramente democrática.
Assim, a possibilidade de participar numa comunidade verdadeiramente democrática e crítica é uma forte motivação para quem cria um blog ou participa nesta comunidade.
Para além do aspecto individual, no universo da Comunicação Social, os blogs eram vistos há escassos anos, pelos meios dominantes, como um fenómeno marginal da esfera mediática. Não tardou a que, num segundo momento, eles fossem vistos como seus “rivais” ou, mais recentemente, como seus “parceiros”, como é o caso dos principais jornais nacionais e a sua adesão ao fenómeno, como o comprova a frequência com que aqueles meios de comunicação referem ou citam blogs ou criam, eles mesmos, as sus comunidades.
Além disso, como já aconteceu em repetidos casos – o 11 de Setembro em Nova Iorque, a Guerra no Iraque ou o tsunami no Extremo Oriente, como exemplos, é legítimo questionar se não estará a blogoesfera em vias de se constituir em fonte dos seus próprios temas e notícias, passando também a marcar a agenda mediática, constituindo alternativa, mesmo que complementar, aos meios de comunicação dominantes e tradicionais.
Esta realidade teve já o seu primeiro paradigma com a precedente e polémica decisão da Casa Branca de, pela primeira vez na história da comunicação social, conceder em 7 de Março de 2005, a um blogger - Garrett M. Graf (na altura editor do blog FishbowlDC), a creditação de acesso às conferências de imprensas diárias, equiparando o estatuto do blog e do blogger ao dos restantes órgãos e profissionais de informação.
A realidade comunicacional e de intervenção social, mostra-nos que as fronteiras entre os “velhos” e os “novos” media parecem estar a esbater-se cada vez mais.
O acto de escrever ou comentar num blog libertou o cidadão da sua função de simples consumidor de informação. Esta interacção e participação deram ao cidadão o ensejo para o que hoje se denomina de “jornalismo do cidadão”.
A possibilidade de uma intervenção cívica plena, sustentada numa descomplexada liberdade de expressão, com os riscos inerentes à credibilidade do que se opina, difunde e comenta. Como em qualquer acção informativa, posição pública ou relação interpessoal.
De facto, alguns blogs são miseráveis. Mas outros meios de divulgação de informação também o são. Como as posições públicas de muitos cidadãos. Como em tudo na vida…
Crónicas dos Arcos
Cidadania incondicional.
Esta semana ficou marcada pela instauração de processos judiciais e acusações de difamação que envolvem a figura do Primeiro-Ministro e de um professor universitário, administrador do blog “Portugal Profundo”, António Balbino Caldeira. Tudo isto relacionado com a polémica, ainda por esclarecer satisfatoriamente, da licenciatura do Engenheiro José Sócrates.
Não é minha intenção referir-me aos processos em causa, nem muito menos voltar a revolver a licenciatura “mal explicada”. Porque é-me indiferente que Portugal tenha um Primeiro-Ministro engenheiro, doutor ou nem por isso. Sendo certo que já não me é indiferente a permissividade eventualmente existente entre o sector do ensino superior e a política. Por uma questão de justiça, equidade e transparência.
O que é, para mim, mais relevante neste recente “fait divers” é a questão que se prende com a liberdade de expressão, o exercício do direito à cidadania e o papel da blogoesfera na comunicação e na sociedade.
Porquê?! Porque sim… e porque a maioria dos cidadãos cada vez se alheia mais do seu papel cívico e interventivo e, igualmente, porque na globalização da comunicação e das relações sociais, culturais e políticas (seja a nível individual ou colectivo) a blogoesfera ganha uma dimensão que não pode ser subjugada.
Com o surgimento da Web e o desenvolvimento das novas tecnologias, esta interacção humana ganhou nova realidade, mais global, sem fronteiras e com uma nova realidade espaço-tempo e uma (re)construção social valiosa.
A noção de espaço público, por exemplo no conceito de Habermas, corresponde ao espaço (físico ou virtual) onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde se legitima o exercício do poder. É o espaço do debate e do uso público da argumentação crítica.
A óptica principal do conceito de construção social da realidade, é a de que a mesma é construída, dia a dia, pelas práticas individuais e sociais de cada um, o que conduz a uma permanente redefinição e renegociação das regras, normas, significados e símbolos sociais.
Neste sentido, a blogoesfera constitui um espaço de informação, de comentário e de opinião, de crítica e de análise da vida pública, de manifestação de criatividade e talento pessoal, de estruturação de redes e comunidades de conhecimento. Ela é a combinação de forças que tornam as pessoas parte efectiva das sociedades.
Os blogs envolvem a criação de novas formas de acção e interacção individuais ou colectivas e contribuem para a transformação da organização espacial e temporal da vida social.
Qualquer convulsão social ou acontecimento político ou cultural tem efeito imediato na blogosfera. Foi assim nos seus primórdios com a Guerra do Golfo, o 11 de Setembro, os atentados de Madrid, os processos eleitorais ou mais recentemente a polémica sobre a licenciatura de José Sócrates, o caso Madeleine e a censura à liberdade de expressão na piada “off-record” na DREN.
O século XXI será claramente o século da sociedade da informação e do conhecimento. De facto, já nos encontramos submersos nesta nova realidade social que tem um papel importante no desenvolvimento dos estados e na afirmação individual de cada cidadão.
Desta forma, a blogoesfera tem a capacidade e o poder de implicar e responsabilizar os cidadãos informados e conscientes dos problemas existentes na sociedade, na construção de sociedades mais criticas, onde todo o ser humano tem uma voz realmente activa, conduzindo a um mundo mais democratizado.
A blogoesfera é e será, por isso, o verdadeiro meio de comunicação e de inter-relações, sobre a qual se baseia a nova forma de sociedade em que vivemos, à qual Manuel Castells denominou de “Sociedade em Rede”.
Quais são os efeitos que a blogoesfera gera e que impacto produz na sociedade, seja ao nível individual, social, cultural e político e, até mesmo, histórico?!
Até que ponto a blogosfera consegue influenciar a opinião pública, cumprindo assim uma das motivações mais fortes que levam as pessoas a criar um blogue?
Para responder a esta questão, analisemos o conceito de esfera de visibilidade pública e do espaço público. Esta esfera é filtragem mediática daquilo que acontece na “esfera pública”, ou seja, no debate que ocorre na opinião pública.
Assim, a capacidade desta “esfera de visibilidade pública” influenciar a opinião pública e a sociedade está relacionada com a possibilidade do público poder intervir directamente na estruturação da sociedade, nos seus aspectos culturais, políticos, económicos, religiosos e, até mesmo, históricos.
Para isso, os cidadãos têm a oportunidade de usar uma alternativa participativa e crítica que lhes permita uma intervenção social, através da sua selecção pessoal de alguns acontecimentos; da interpretação desses acontecimentos; publicação da opinião sem qualquer tipo de limitações à liberdade de expressão e a criação de interacções individuais ou colectivas, através da possibilidade de se criarem redes de comentários. No fundo, a vontade de participar numa sociedade verdadeiramente democrática.
Assim, a possibilidade de participar numa comunidade verdadeiramente democrática e crítica é uma forte motivação para quem cria um blog ou participa nesta comunidade.
Para além do aspecto individual, no universo da Comunicação Social, os blogs eram vistos há escassos anos, pelos meios dominantes, como um fenómeno marginal da esfera mediática. Não tardou a que, num segundo momento, eles fossem vistos como seus “rivais” ou, mais recentemente, como seus “parceiros”, como é o caso dos principais jornais nacionais e a sua adesão ao fenómeno, como o comprova a frequência com que aqueles meios de comunicação referem ou citam blogs ou criam, eles mesmos, as sus comunidades.
Além disso, como já aconteceu em repetidos casos – o 11 de Setembro em Nova Iorque, a Guerra no Iraque ou o tsunami no Extremo Oriente, como exemplos, é legítimo questionar se não estará a blogoesfera em vias de se constituir em fonte dos seus próprios temas e notícias, passando também a marcar a agenda mediática, constituindo alternativa, mesmo que complementar, aos meios de comunicação dominantes e tradicionais.
Esta realidade teve já o seu primeiro paradigma com a precedente e polémica decisão da Casa Branca de, pela primeira vez na história da comunicação social, conceder em 7 de Março de 2005, a um blogger - Garrett M. Graf (na altura editor do blog FishbowlDC), a creditação de acesso às conferências de imprensas diárias, equiparando o estatuto do blog e do blogger ao dos restantes órgãos e profissionais de informação.
A realidade comunicacional e de intervenção social, mostra-nos que as fronteiras entre os “velhos” e os “novos” media parecem estar a esbater-se cada vez mais.
O acto de escrever ou comentar num blog libertou o cidadão da sua função de simples consumidor de informação. Esta interacção e participação deram ao cidadão o ensejo para o que hoje se denomina de “jornalismo do cidadão”.
A possibilidade de uma intervenção cívica plena, sustentada numa descomplexada liberdade de expressão, com os riscos inerentes à credibilidade do que se opina, difunde e comenta. Como em qualquer acção informativa, posição pública ou relação interpessoal.
De facto, alguns blogs são miseráveis. Mas outros meios de divulgação de informação também o são. Como as posições públicas de muitos cidadãos. Como em tudo na vida…
4 comentários:
Olá Miguel!
Só hoje consegui ter algum tempo para ver o que de bom e mau se tem feito na blogosfera...
Sei, que podia ter sido, talvez uma presença mais actualizada nas barras de comentários deste blog, mas devido á terrivel época de exames infelizmente não pude ser mais activo...
Ainda falta 1 exame, mas o ano já valeu a pena e seguirei em frente...
Quanto á problemática posta em cima da mesa posso constatar que como o senhor do blogue Do Portugal profundo que foi processado e processou o Engenheiro José Sócrates, já fui vitima de uma ameaça de processo e que por vezes, pelo menos no meu caso, isso faz-nos amedrontar um bocado, mas não desistir de usar esta arma para podermos dizer, sem rodeios, o que queremos...
Viva meu caro amigo
Muito me satisfaz o facto de te ouvir dizer que este ano vais seguir em frente. Óptimo. Fico contente por ti.
Cá pelo meu lado, as coisas não poderiam ter corrido melhor.
Melhor até do que eu poderia imaginar.
Neste segundo semestre, entre um 12 e um 19, lá couberam dois 15 e um 16.
Um abraço e aparece mais vezes.
Isso são grandes notas, Migas...
Houve ai marranço sério...
Eu tou a tentar tudo por tudo para fazer uma ultima cadeira de modo a provávelmente sair daquele " ninho de cobras" e ingressar no Instituto Bissaya Barreto, onde está a acabar o Nuno.
Diria que a blogsfera é um fenómeno para o qual as organizações conexas ao poder, não estão preparadas. Vai provocar uma revolução na comunicação e no próprio exercício do poder. Felizmente.
Abraço
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